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Um Sonho de Quixote: considerações sobre literatura e história.
"ao que relatam cronistas e contadores de histórias é preciso fazer ressalvas."
(Italo Calvino. O cavaleiro inexistente.)
Há alguns anos atrás, num evento realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, tive o prazer de conhecer Florencia Garramuño, ensaísta e professora de literatura da Universidad de San Andrés, na Argentina. Ao saber de minha total admiração pela obra de Jorge Luis Borges, Florencia me perguntou se eu já havia lido um poeta e crítico argentino chamado Juan Isidro Chávez. Respondi que não e ela então me falou um pouco sobre ele.
Juan Isidro Chávez foi um poeta pouco considerado pela crítica. Nasceu no início do século XX, em 1910, para ser exato, e publicou alguns livros a partir de meados dos anos 40 até o
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final dos 70. Vez ou outra publicava na imprensa de seu país alguma resenha sobre lançamentos na área de poesia, mas nada muito especial. Sua obra poética e suas tímidas incursões pela crítica literária não despertam de fato grande interesse, carecendo, ambas, de maior inventividade.
Nos últimos anos de sua vida, porém, Chávez escreveu os ensaios de um livro que acabou por redimir o autor de qualquer mediocridade, um volume de pouco mais de cem páginas, intitulado Letras em labirinto . Publicado em 1987 pela Contexto, uma pequena editora argentina, foi esse o livro que recebi em minha casa, no Rio de Janeiro, alguns dias depois do encontro com Florencia Garramuño, que o enviou para mim pelo correio.
E é sobre esse pequeno livro de um obscuro poeta argentino, ainda não traduzido em português, que pretendo falar aqui, buscando, de alguma forma, colaborar com o debate sobre as delicadas relações entre literatura e história.
Escrito de forma fragmentada e com afirmações incisivas sob a aparente simplicidade da frase, Letras em labirinto é uma coletânea de ensaios sobre cinco temas. O primeiro é uma espécie de relato de uma viagem à Índia, feita quando o autor tinha pouco mais de quarenta anos de idade, entremeado de reflexões diversas, quase sempre de base filosófica. O segundo pode ser definido como um ensaio sobre a metáfora do sonho em Walter Benjamin. No terceiro capítulo, o leitor se depara com um texto belíssimo sobre as ruas de Buenos Aires. No quarto, Juan Isidro Chávez faz uma leitura precisa e bastante original da poesia de Carlos Drummond de Andrade, articulando com extrema habilidade dados biográficos, dados ficcionais e trechos da obra do poeta brasileiro.
Por fim, no quinto e último ensaio, temos uma série de apontamentos não sistematizados, fragmentos, impressões sobre literatura e história. É especificamente desse ensaio que irei tratar. Antes, porém, gostaria de transcrever um trecho do estudo sobre Drummond, no qual Chávez deixa claro seu propósito de dividir com o leitor - e nesse momento ele se refere sobretudo ao leitor argentino - o seu encantamento com o poeta:
Todos certamente já passamos pela experiência de ler um livro e, em seguida ou mesmo simultaneamente a esta sensação, sermos invadidos pelo desejo quase incontrolável de dividir com outro aquilo que lemos. Você precisa ler isto, é a frase que, nesses casos, dizemos a quem amamos.
Mostrar ao outro um texto que me agrada e que o outro não conhece, ou mostrar-lhe, num texto conhecido, certo aspecto despercebido, é talvez a única, ou a mais digna, tarefa de quem lida com literatura. E não se trata de uma atitude meramente altruísta. Quando divido, penso também em mim. Reparto a leitura pensando no prazer do outro mas também para me aliviar do excesso de prazer que o texto me propiciou. Um prazer que se guarda pesa como uma pedra.
Penso que repartir com o outro um texto prazeroso é proporcionar, ao outro, o prazer da aventura e, a mim mesmo, a imprescindível leveza.1
Pois é justamente este meu objetivo: apresentar ao leitor brasileiro, ainda que apenas sob a forma de paráfrase, a obra tão peculiar de Juan Isidro Chávez, como alguém que busca compartilhar uma leitura prazerosa. Afora isso, minha contribuição será apenas a de acrescentar um ou outro comentário que, de alguma forma, possa ser útil ao debate sobre o tema.
***
Passemos então, sem mais delongas, ao ultimo ensaio do livro de Chávez. O título é sem dúvida provocador: "Anotações sobre literatura e história - devaneios de um poeta argentino". Veremos que não é bem de devaneios que se trata, embora não se possa negar que o autor empreenda uma verdadeira aventura do pensamento, quem sabe porque, já no final da vida, tenha conseguido se libertar de certas convenções que tanto limitaram sua obra poética e seus poucos exercícios de crítica literária.
Tendo publicado seu livro em 1987, o autor chegou a tomar contato com a polêmica entre os historiadores tradicionais e os da chamada Nova História. Os primeiros fragmentos do seu ensaio citam trechos de uma discussão, uma mesa-redonda, da qual participaram nomes importantes dessa corrente: Philippe Ariès, Michel de Certeau, Jacques Le Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie, Paul Veyne.
Na verdade, Juan Isidro não se aprofunda nos comentários, seu trabalho é mais o de recortar e colar, formando assim uma nova montagem que já é, por si só, uma leitura crítica dos textos selecionados. Seu propósito é o de reunir, conforme um roteiro apenas insinuado, trechos que lhe interessam da discussão entre os historiadores, acrescentando a cada segmento breves notas, às vezes nem isso.
Sobre a concepção de história como narrativa próxima da ficção, Juan destaca a seguinte passagem de uma fala de Michel de Certeau:
O livro de História abre uma janela - para o pátio ou para o mar - em relação à vida fechada do trabalho-metro-cama. Cria um espaço de possíveis a imaginar ou a pensar acerca de si mesmo, sugere outras formas de existência, oferece saídas e uma linguagem objectiva a desejos prestes a partir para outros modos de relação, de trabalho, de festa, etc. É uma literatura de viagem, acreditada pelo facto de ser possível porque diz respeito a factos que existiram na realidade.2
A essa passagem Juan Isidro associa uma outra, do próprio De Certeau, tornando mais clara a posição do historiador francês a respeito de uma possível narratividade ficcional do discurso historiográfico:
Na obra Comment on écrit l'Histoire, Veyne pôs o problema do texto histórico como uma relação entre a construção de uma "intriga" e o prazer do autor. Efectivamente, torna-se necessário tomar também em consideração a maquinaria social e técnica da indústria historiográfica, ou seja, um conjunto de instituições produtoras análogas - uma fábrica que se repartisse entre mausoléus de arquivos, centros de investigação, estruturas de ensino, editoras, etc. No fim deste trabalho fabril, sai a "ficção" histórica, do mesmo modo que a NASA elaborava, em tempos, planos ou ficções de desembarque na Lua. A primeira ligação ao real é a do produto ao complexo produtor.
Mas a NASA lança foguetões. A História, a própria História, a partir de arquivos, só fabrica planos do passado, só põe em marcha (o que é capital) a crença ou a credulidade do público. Por meio de ficções, ela faz acreditar.3
Em seguida, Chávez alinhava as considerações de Michel de Certeau com as de Paul Veyne, para quem a história talvez seja um discurso híbrido, colocado entre as ciências humanas, por um lado, e a literatura, o romance, as belas artes, o cinema, o teatro e a ópera, por outro. Para Veyne, é esta ambigüidade que faz a fraqueza do discurso historiográfico, que jamais poderá se edificar como uma ciência pura, mas é também sua riqueza, na medida em que o caráter intertextual da história pode ampliar seu público leitor, para além dos muros da academia.
O debate entre os historiadores prossegue, nessa mesa redonda que Juan Isidro Chávez consulta para, na verdade, reinventá-la, a partir do momento em que lhe empresta uma nova configuração, através do jogo do recorte e da montagem. Jogo que prossegue apresentando e reelaborando conceitos importantes da Nova História, sem poupar alfinetadas aos seguidores da história tradicional.
É o que vemos, por exemplo, na intervenção de Emmanuel Le Roy Ladurie, a propósito da velha premissa de que a escrita historiográfica deve abster-se de qualquer marca autoral, buscando uma neutralidade de estilo que a habilite enquanto discurso científico. Ladurie ironiza tal exigência ao afirmar:
Quanto à maneira escrever, direi que, entre muitos historiadores antigos, estava na moda escrever mal. (...) Lembro-me especialmente de um dos nossos professores, que não nomeio, quando dizia a um licenciado: "caro senhor, na página 2278 de sua tese, há uma imagem estilística." E o licenciado desculpou-se: "Com efeito, senhor professor, esta imagem escapou-me, estou profundamente desolado." Sob este ponto de vista, houve efectivamente uma mudança de há alguns anos a esta parte."4
Juan Isidro não teve oportunidade de ler o livro de Hayden White, The Content of the Form, tratando do mesmo tema, o discurso histórico como narrativa, já que o livro de White e o de Chávez foram publicados no mesmo ano, 1987, nem algumas obras importantes de autores como Peter Burke e Robert Darnton, que foram publicadas depois da morte do poeta argentino. Mas há, no ensaio citado, referências a autores como Leopold von Ranke, paradigma da história tradicional, a Lucien Febvre e Marc Bloch, fundadores da revista Annales, em 1929, tida como o embrião da Nova História, além de uma referência mais longa a Fernand Braudel, com comentários à sua formulação acerca das três formas de tempo social: curta, média e longa duração.
Chávez também não teve oportunidade de ler o interessante ensaio de Burke, "A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa", no qual o historiador observa a necessidade de uma terceira via, entre o modelo historiográfico tradicional e as proposições dos novos historiadores. A tese de Burke certamente teria interessado a Juan Isidro, sobretudo no que diz respeito especificamente ao modo de se escrever a história.
Talvez valha a pena fazer aqui um pequeno parêntese na leitura do ensaio de Juan Isidro, apenas para situar brevemente a posição de Peter Burke em meio ao debate sobre as possíveis interações e desajustes entre a escrita da ficção e a da história.
Para Burke, os historiadores de hoje deveriam incorporar, à sua própria escrita, as experiências literárias das vanguardas da primeira metade do século XX, e também alguns ensinamentos de cineastas modernos. Se há novos fatos a serem contados, é preciso encontrar novas formas de contá-los. E para tanto, o diálogo com a ficção pode ser um bom caminho:
muitos estudiosos atualmente consideram que a escrita da história também tem sido empobrecida pelo abandono da narrativa, estando em andamento uma busca de novas formas de narrativa que serão adequadas às novas histórias, que os historiadores gostariam de contar. Estas novas formas incluem a micronarrativa, a narrativa de frente para trás e as histórias que se movimentam para frente e para trás, entre os mundos público e privado, ou apresentam os mesmos acontecimentos a partir de pontos de vista múltiplos.
Se os historiadores estão procurando modelos de narrativas que justaponham as estruturas da vida comum pelos acontecimentos extraordinários, e a visão de baixo pela visão de cima, podem muito bem ser aconselhados a voltar à ficção do século vinte, incluindo o cinema (os filmes de Kurosawa, por exemplo, ou de Pontecorvo ou de Jancsó). (...) Visões retrospectivas, cortes e a alternância entre cena e história: essas são técnicas cinéticas (ou na verdade literárias) que podem ser utilizadas de uma maneira superficial, antes para ofuscar do que para iluminar, mas podem também ajudar os historiadores em sua difícil tarefa de revelar o relacionamento entre os acontecimentos e as estruturas e apresentar pontos de vista múltiplos.5
Burke lembra, porém, os limites de tal empreitada:
É provável que os historiadores possam aprender algo, a partir das técnicas narrativas de romancistas como Tolstoi e Shimazaki Toson, mas não o bastante para resolver todos os seus problemas literários. Pois os historiadores não são livres para inventar seus personagens, ou mesmo as palavras e os pensamentos de seus personagens, além de ser improvável que sejam capazes de condensar os problemas de uma época da narrativa sobre uma família, como freqüentemente fizeram os romancistas."6
Curioso é que Burke vai buscar na literatura moderna os modelos que poderiam ajudar os novos historiadores, quando, ironicamente, os ficcionistas contemporâneos já abandonaram tais experimentações e partem agora justamente para a retomada de uma forma linear de narrativa, de molde pré-moderno. Ou seja, enquanto a nova historiografia vai buscar na ficção do século XX estratégias literárias que lhe propiciem o necessário arejamento, a literatura vai muitas vezes buscar nos modelos de escrita dos antigos historiadores, ou, mais propriamente, nos cronistas pré-modernos, a linearidade, o gosto pelos detalhes, a pretensa imparcialidade de uma escrita que procura apagar a voz autoral e deixar fluir apenas o relato em si.
Em seguida, na esteira dessas discussões sobre a existência ou não de estatutos específicos, diferenciais, que possibilitem uma distinção precisa entre os discursos da história e da literatura, Juan Isidro Chávez afirma que nenhum debate sobre o tema pode frutificar sem que se coloque em pauta algumas considerações sobre a questão da originalidade. Segundo ele, uma mesma pergunta move historiadores e ficcionistas, embora com intenções diversas, e a pergunta é: o que aconteceu, num tempo e lugar determinados, que não havia acontecido antes?
Seria essa a pergunta que levaria o historiador a definir os ciclos, as eras, as fases, movido sempre por certo conceito de mudança, ou, para usar um termo mais polêmico, pelo conceito de ruptura. Só há história quando há mudança, afirma Chávez, e para que haja mudança é necessário que algo novo aconteça. Da mesma forma, a literatura - os escritores e poetas, por um lado, e os próprios historiadores e também os teóricos da literatura, por outro -, a literatura também viveria dos gestos de ruptura, o que equivale a dizer: do conceito de originalidade.
O autor faz, no entanto, um alerta: é preciso historicizar o próprio conceito de originalidade. A definição de originalidade como algo absolutamente novo - que nunca ocorrera antes - surge, na verdade, com a era moderna, mais precisamente no romantismo. A originalidade, como a entendemos a partir do paradigma romântico, nunca foi o elemento norteador, por exemplo, da estética clássica, quando o mais importante era uma boa imitação dos mestres. A idéia de que ser original representa um avanço no processo evolutivo da vida literária é uma herança que recebemos do século XIX, e que incorpora de vez seu papel de padrão, de conceito absoluto, a partir sobretudo das contribuições teóricas dos formalistas russos, na primeira metade do século XX. Do mesmo modo, a história oficial, de cunho "científico", surgida no século XIX, sob a égide do pensamento positivista, também investe, ainda que não explicitamente, na mesma idéia de ruptura e, por extensão, de originalidade, proposta pelos românticos.
A noção de ruptura, prossegue Juan Isidro, como quebra radical com o passado e, por conseqüência, a noção de originalidade como a qualidade daquilo que jamais foi produzido antes é a pedra de fundação, portanto, não apenas da literatura moderna como da própria história, ou, pelo menos, da história enquanto discurso "científico". À medida em que o modelo proposto por Ranke em meados do século XIX, e vigente como paradigma da história oficial, concentra-se nos grandes feitos, levados a cabo por estadistas, generais, reis ou, com menor freqüência, eclesiásticos, fica evidente que o método da história passa pela definição de ruptura como algo causado por Grandes Eventos, obras de Grandes Homens7, capazes de realizar o que nunca antes se realizara.
De modo que é possível traçar um paralelo que, respeitando as diferenças de escala e valor, possa equiparar os Grandes Homens, segundo a história geral, aos Grandes Poetas, segundo a história da literatura. O modo de funcionamento do cânone literário - seu fundamento, a forma pela qual é gerado - seria análogo, portanto, ao modo de funcionamento do cânone histórico, pautados, ambos, pela presença da ruptura - marca da mudança - provocada por um ato de originalidade, seja ele de natureza estética (campo da literatura), seja de natureza política (campo da história).
Juan Isidro Chávez afirma, ainda, que a questão da originalidade - que move literatura e história - estaria, por sua vez, atrelada a uma outra, à da autoria. Seria preciso, então, reformular a pergunta inicial: o que aconteceu, num tempo e lugar determinados, que não havia acontecido antes? Agora, seria prudente perguntar: quem fez com que acontecesse, num tempo e lugar determinados, o que não havia acontecido antes?
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É a partir daí, da questão da autoria, que Isidro fará sua leitura de três obras de ficção. E será dessa leitura que ele irá desdobrar, às vezes de forma direta, às vezes apenas indiretamente, os fios de um mesmo novelo, em que se entrelaçam literatura e história.
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Falar de autoria é falar de Dom Quixote, afirma o poeta e ensaísta argentino.
Logo no início do romance, Cervantes - e Juan Isidro atenta para o fato de que Cervantes propositadamente não distingue autor e narrador, apresentando-se ele próprio como ocupante dos dois lugares, numa estratégia que Borges irá desenvolver mais tarde - escreve:
Querem dizer que tinha o sobrenome de Quijada ou Quesada, que nisto discrepam algum tanto os autores que tratam da matéria; ainda que por conjeturas verossímeis se deixa entender que se chamava Quijana. Isto, porém, pouco faz para a nossa história; basta que, no que tivermos de contar, não nos desviemos da verdade nem por um til.8
E um pouco mais adiante:
Dizem alguns autores que a sua primeira aventura foi a de Porto Lápice; outros, que foi a dos moinhos de vento; mas o que eu pude averiguar, e o que achei escrito nos anais da Mancha (...)9
O narrador se apresenta, portanto, travestido de cronista. Seu trabalho se realiza, em primeiro lugar, através de uma busca de fontes fidedignas - que se constituem de depoimentos e de documentos manuscritos -, para que seu relato seja o mais verdadeiro possível, de modo a montar não uma fábula mas um registro histórico. Assim, comenta Juan Chávez, Cervantes não se assume como autor. Dentro do jogo ficcional que se estabelece já desde o início do romance, não é de Cervantes a autoria desse feito original chamado Dom Quixote de la Mancha.
A certa altura das aventuras do Quixote, mais precisamente no cap. VIII (o mais famoso do livro, no qual se lê a história dos moinhos de vento), Cervantes interrompe o relato de um episódio. O narrador vinha relatando a feroz batalha entre Quixote e um viajante, cujo único pecado fora o de ter sido acompanhante, entre outros, de uma jovem que viajava num coche fechado, como era costume na época, e que o fidalgo cavaleiro julgou estar sendo seqüestrada. De repente, porém, suspende-se a narrativa e o motivo alegado pelo narrador para a interrupção do relato é muito simples: nas fontes que Cervantes consultara, faltava aquela parte...
Em várias passagens, observa Juan Isidro, Cervantes insiste nessa tecla. Já no Prólogo, aliás, ele afirma: "eu, que, ainda que pareça pai, não sou contudo senão padrasto de Dom Quixote".
E quem seria, então, o verdadeiro autor do Quixote? No capítulo IX, Cervantes afirma que, curioso por saber o desfecho das aventuras daquele valoroso cavaleiro andante, saiu a pesquisar sua história em documentos e também em conversas com pessoas da aldeia em que vivera o fidalgo antes de tornar-se cavaleiro, fazendo o mesmo árduo trabalho de pesquisa histórica nas aldeias. Estando nisso, Cervantes certo dia se dirige ao mercado de Toledo, onde encontra um jovem vendendo manuscritos:
Estando eu um dia no Alcaná de Toledo, apareceu ali um muchacho a vender uns alfarrábios e papéis velhos, a um mercador de sedas. Como eu sou amigo de ler até os papéis esfarrapados das ruas, levado da inclinação natural, tomei um daqueles cartapácios, e pela escrita reconheci ser árabe, posto o não soubesse decifrar. Espalhei os olhos à procura de algum mourisco alfamiado, que mo deletreasse. (...) Enfim atinei com um que, ouvindo o que eu desejava, pegando no livro o abriu pelo meio, e, lendo nele um pouco, se começou a rir.10
Cervantes pede que o jovem lhe explique o motivo do riso e, ao ouvir deste o nome de Dulcinéia del Toboso, desconfia de que se trate do manuscrito que tanto procurara:
Neste pressuposto, roguei-lhe que me lesse o princípio do livro em linguagem cristã, o que ele fez, traduzindo de repente o título arábigo em castelhano deste modo: História de Dom Quixote de la Mancha, escrita por Cide Hamete Benengeli, historiador arábigo.11
Cervantes, então, leva o jovem para sua casa, "onde em pouco mais de um mês e meio traduziu tudo exatamente como aqui se refere."12
Noutras palavras, afirma Juan Isidro, Cervantes nos diz que o Quixote não foi escrito por ele, que apenas teria mandado imprimir uma versão em espanhol, feita a partir de um manuscrito árabe, de um autor do qual jamais ouvira falar, traduzido por um jovem que ele acabou encontrando por acaso num mercado de Toledo. Manuscrito, diga-se de passagem, de autoria de um "historiador", ou seja, alguém que registrou a história a partir de fontes anteriores.
Há ainda um complicador nisso tudo, observa Chávez. Trata-se do fato de, alguns anos após a publicação da primeira parte do Quixote, ter circulado pela Espanha uma segunda parte, apócrifa, publicada em Tarragona. Cervantes decide, então, escrever ele mesmo uma segunda parte, com um prólogo em que desautoriza terminantemente a versão em circulação, dizendo ser obra de má fé, e oferece ao leitor a verdadeira segunda parte, cujo início é: "Conta Cide Hamete Benengeli, na segunda parte desta história..."13
Cervantes, portanto, desautoriza a versão circulante e apresenta uma outra, que na verdade é também ela de autoria do falso autor Hamete, que a teria registrado de outras fontes etc. O resultado dessa operação de despiste, de pista falsa, é a problematização dos limites da autoria. Quem é, afinal de contas, o autor?
É essa a pergunta que, segundo Chávez, atravessa a narrativa de Cervantes e, de certa forma, demanda uma outra pergunta: se o lugar do autor é esvaziado ou, pelo menos, problematizado, como definir limites entre ficção e realidade ou, mais especificamente, entre literatura e história? Se não sabemos quem fez, como determinar a validade do que foi feito? O ato original, causador de uma ruptura, não tem um autor definido? Como, então, estabelecer o cânone? Que nomes anotar no espaço reservado aos Grandes Homens, ou aos Grandes Poetas, se é difusa a verdadeira autoria?
Juan Isidro Chávez adverte, porém, para o fato de que Cervantes, ao elaborar sua estratégia do falso autor, certamente não buscava o efeito acima referido. Talvez quisesse, como ele próprio afirma no prólogo, apenas "desfazer a autoridade que por esse mundo e entre o vulgo ganharam os livros de cavalaria". Ou quem sabe quisesse, com tal estratégia - a da criação de um falso autor - fazer uma citação velada das famosas histórias de cavalarias, em que tal estratégia era freqüente, como ocorre, por exemplo, no Dom Belianis de Grécia , cujo falso autor é um feiticeiro, de nome Fristão. Estaria, assim, operando melhor o jogo paródico. Até porque a questão da autoria não poderia receber, no início do século XVI, a mesma carga de problematização a que está sujeita no século XX.
E Chávez conclui com as seguintes palavras esse fragmento de seu ensaio:
Mas Borges, sim, é um autor do século XX. E quando decide voltar-se sobre o Quixote de Cervantes, não há dúvida de que o faz movido, dentre outros motivos, pela questão da autoria. E também pela relação entre literatura e história, como veremos.14
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Juan começa dizendo que Borges cria, em Pierre Menard, autor do Quixote, - um dos maiores aventureiros de todos os tempos, cuja aventura não é lutar com moinhos de vento nem salvar donzelas mas que nem por isso deixa de ser tão louca e fascinante quanto uma aventura quixotesca. Menard deseja nada mais nada menos que escrever o Quixote de Cervantes. Não queria compor outro Quixote, mas o Quixote. Não queria transcrever o original, copiá-lo, sua admirável ambição era produzir páginas que coincidissem - palavra por palavra e linha por linha - com as de Miguel de Cervantes:
O método inicial que imaginou era relativamente singelo. Conhecer bem o espanhol, recuperar a fé católica, guerrear contra os mouros ou contra o turco, esquecer a história da Europa entre os anos de 1602 e de 1918, ser Miguel de Cervantes. Pierre Menard estudou esse procedimento (sei que conseguiu um manejo bastante fiel do espanhol do século dezessete), mas o afastou por fácil. Antes por impossível! - dirá o leitor. De acordo, porém a empresa era de antemão impossível e de todos os meios impossíveis para levá-la a cabo, este era o menos interessante.15
Para Juan Isidro, a empreitada de Menard esbarra num obstáculo: o tempo. O tempo transcorrido. Borges tinha perfeita noção de tempo histórico, da impossibilidade de se apagar o já feito. E, sobretudo, tinha consciência da impossibilidade de esquecer.16 Para confirmar sua tese, Juan cita o seguinte trecho do conto:
Compor o Quixote no início do século dezessete era uma empresa razoável, necessária, quem sabe fatal; nos princípios do vinte, é quase impossível. Não transcorreram em vão trezentos anos, carregados de complexíssimos fatos. Entre eles, para citar um apenas: o próprio Quixote.17
Menard, no entanto, se lança ao desafio, e coloca no papel passagens do seu Quixote:
O texto de Cervantes e o de Menard são verbalmente idênticos, mas o segundo é quase infinitamente mais rico. (Mais ambíguo, dirão seus detratores; mas a ambigüidade é uma riqueza.)
Constitui uma revelação cotejar o "Dom Quixote" de Menard com o de Cervantes. Este, por exemplo, escreveu ("D. Quixote", primeira parte, nono capítulo):
... a verdade, cuja mãe é a história, êmulo do tempo, depósito das ações, testemunha do passado, exemplo e aviso do presente, advertência do futuro.
Redigida no século dezessete, redigida pelo "engenho leigo" Cervantes, essa enumeração é um mero elogio retórico da história. Menard, em compensação, escreve:
... a verdade, cuja mãe é a história, êmulo do tempo, depósito das ações, testemunha do passado, exemplo e aviso do presente, advertência do futuro.
A história, mãe mãe da verdade; a idéia é espantosa. Menard, contemporâneo de William James, não define a história como uma indagação da realidade, mas como sua origem. A verdade histórica, para ele, não é o que sucedeu; é o que pensamos que sucedeu.18
A história, portanto, não como guardiã (mãe) da verdade, mas como origem (mãe) da verdade. A história, portanto, como uma ficção que se pretende verdade. Borges, a partir de Cervantes, tece a teia na qual se enredam ficção e realidade, ao relativizar a questão da autoria. Mais que isso, afirma Juan, às intricadas relações entre literatura e história Borges acrescenta agora um componente fundamental: o leitor.
Isidro Chávez escreve:
Se a questão da autoria - força-motriz dos conceitos de literatura e história - é relativizada em Cervantes, em Borges tal relativização beira o abismo porque, então, entra em cena um novo autor. Autor que é nada mais nada menos do que aquele que até então parecia alijado de todo o processo quando na verdade estava na base de tudo, autor que é nada mais nada menos que o leitor.19
Juan conclui sua leitura do conto de Borges dizendo que Menard de fato conseguiu realizar seu sonho: escreveu um outro Quixote, diferente do de Cervantes, ainda que graficamente idêntico. E isso só foi possível porque alguém, um leitor, leu os dois trechos de formas diferentes. Na verdade, mais que Menard, o grande autor da proeza foi seu amigo, narrador do conto:
Pierre Menard busca escrever de novo o Quixote, e para isso inventa os métodos mais fascinantes possíveis, de preferência os mais difíceis. A simplicidade - que ele não percebe, ou não quer perceber, ou finge não perceber - está no fato de que sua aventura é uma aventura possível: basta que haja, em algum lugar, em alguma época, um leitor capaz de ver diferença entre o seu Quixote e o de Cervantes. Basta que um leitor acredite na aventura de Menard para que ela seja real.
O narrador acreditou, quem sabe mais sonhador do que Menard, mais sonhador do que o próprio Quixote. Jogando o jogo do tempo, fez parecer legítimo o que parecia fora da lei, feito um cúmplice, e escreveu sua nota, intitulada "Pierre Menard, autor do Quixote", talvez para que alguém acreditasse nele como ele acreditou em Menard. Quem sabe procurando conquistar mais um membro para a legião.20
Concluindo, Isidro Chávez reafirma que o conto de Borges abala as frágeis fronteiras entre literatura e história ao tornar ainda mais movediço o espaço da autoria, na medida em que nele insere, agora, o próprio leitor.
***
Do conto de Borges, Juan segue para uma leitura do romance de Italo Calvino, O cavaleiro inexistente. Leitura na qual continua a lidar com o tema literatura e história, ainda no campo das questões ligadas à autoria.
O romance de Calvino, publicado em 1959, é o último da trilogia "Nossos antepassados", na qual o autor revisita, pelo olhar da fábula, períodos históricos importantes na formação da cultura ocidental moderna, em particular a européia. A história se passa na época de Carlos Magno e começa com o rei dos francos já velho e decadente, preguiçoso, meio ranzinza, entendiado do exercício da guerra. A primeira cena o mostra passando em revista sua tropa. Depois de perguntar a cada soldado seu nome, origem e títulos, se depara com um cavaleiro de armadura toda branca, impecável, que se recusa a levantar o elmo e mostrar o rosto:
- Falo com o senhor, ei, paladino! - insistiu Carlos Magno. - Como é que não mostra o rosto para o seu rei?
A voz saiu límpida da barbela.
- Porque não existo, sire.
- Faltava esta! - exclamou o Imperador. - Agora temos na tropa até um cavaleiro que não existe! Deixe-nos ver melhor.
Agilulfo pareceu hesitar um momento, depois com mão firme e lenta ergueu a viseira. Vazio o elmo. Na armadura branca com penacho iridescente não havia ninguém.
- Ora, ora! Cada uma que se vê! - disse Carlos Magno. - E como é que está servindo, se não existe?
- Com força de vontade - respondeu Agilulfo - e fé em nossa santa causa!
- Certo, muito certo, bem explicado, é assim que se cumpre o próprio dever. Bom, para alguém que não existe está em excelente forma!21
Como observa Juan Isidro, Calvino cria um romance de cavalaria às avessas - o exército de Carlos Magno mais parece o de Brancaleone, cheio de cavaleiros trapalhões -, romance cujo protagonista é um cavaleiro que simplesmente não existe. E narrado por uma freira, confinada num convento. Freira que, diga-se de passagem, se assume como historiadora:.
Eu, que estou contando esta história, sou irmã Teodora, religiosa da ordem de São Columbano. Escrevo no convento, deduzindo coisas de velhos documentos, de conversas ouvidas no parlatório e de alguns raros testemunhos de gente que por lá andou.22
Essa mesma narradora, que escreve, a princípio, como historiadora e não como ficcionista, recolhendo de suas fontes - documentos escritos, depoimentos orais - os fatos a serem narrados, é essa mesma irmã Teodora quem afirma, a certa altura do relato:
É na direção da verdade que corremos, a pena e eu, a verdade que espero vir ao meu encontro, do fundo de uma página branca, e que poderei alcançar somente quando a golpes de pena conseguir sepultar todas as preguiças, as insatisfações, o fastio que vim aqui pagar.23
E, mais adiante, assume sua condição não propriamente de autora mas de compiladora da história que vem narrando, ao confessar que escreve seu livro "recorrendo a documentos quase ilegíveis de uma crônica antiga".24
Juan Isidro insiste nesse ponto, o de que a narradora deixa claro, desde o primeiro momento, e com reiterações ao longo do relato, que se trata de uma história real, do registro histórico de figuras como Carlos Magno e seus valorosos cavaleiros. Mas essa mesma perspectiva - a do relato da realidade - começa a ser relativizada com a própria existência, no meio de personagens reais, como o rei e seu exército, de um cavaleiro... inexistente.
Chávez nos mostra como Calvino opera um engenhoso volteio, fazendo com que irmã Teodora alterne afirmações como a citada acima com outras em que a submissão ao fato real passa a ser relativizada, deixando entrever que não é bem assim que as coisas acontecem:
E basta o corre-corre de um rato (o terraço do convento está cheio deles), um sopro de vento imprevisto que faz bater o estore (inclinada a distrair-me sempre, me apresso a reabri-lo), basta o final de um episódio desta história e o início de outro ou apenas um ponto parágrafo e eis que a pena torna a ficar pesada como uma trave e a corrida rumo à verdade se faz incerta.25
Jogo de alternâncias entre o real e o imaginado que se reforça nessa bela passagem, citada por Juan em seu ensaio:
Sob minha cela fica a cozinha do convento. Enquanto escrevo ouço o barulho dos pratos de cobre e estanho: as freiras ajudantes de cozinha estão enxaguando as louças de nosso magro refeitório. A abadessa deu-me uma tarefa diferente da que atribuiu a elas: escrever esta história, mas todos os trabalhos do convento, destinados que são a um único fim - a saúde da alma -, é como se fosse tudo uma coisa só. Ontem escrevia sobre a batalha e no ruído de louça na pia acreditava estar ouvindo o bater de lanças contra escudos e couraças, o ressoar de elmos atingidos por grandes espadas; do pátio chegavam até mim os golpes do tear das irmãs tecedoras e me parecia uma batida de cascos de cavalos a galope: e, assim, aquilo que minhas orelhas ouviam meus olhos entreabertos transformavam em visões e meus lábios silenciosos em palavras e palavras e a pena se lançava pela folha branca, correndo atrás delas.26
Quanto ao personagem principal, Agilulfo, são claras as afinidades com o Quixote, de Cervantes. Ambos são solitários, ambos têm escudeiros para lá de desastrados - Sancho e Gurdulu -, e ambos levam a sério as regras da cavalaria, com seus rituais, suas leis rígidas, sua estrutura hierárquica.
Agilulfo, porém, é movido única e exclusivamente por raciocínios determinados e exatos. Não acredita, como Quixote, em feiticeiros, bruxas e seus traiçoeiros encantamentos. É um pragmático, preso à mais pura realidade, como se percebe na passagem em que os cavaleiros, reunidos à mesa, no almoço com Carlos Magno, contam (e aumentam) suas façanhas:
No almoço, de que falam os paladinos? Como de costume, se vangloriam.
Fala Orlando:
- Devo dizer que a batalha de Aspromonte estava fugindo ao controle, antes que eu abatesse em duelo o rei Agolante e lhe tomasse a Durlindana. Era tão ligado a ela que, quando lhe decepei o braço direito, seu punho ficou preso no punho da Durlindana e tive de usar tenazes para retirá-lo.
E Agilulfo:
- Não é para desmenti-lo, mas a precisão exigia que a Durlindana fosse entregue nas negociações de armstício cinco dias depois da batalha de Aspromonte. De fato, ela figura numa lista de armas leves cedidas ao exército franco, entre as condições do tratado.
Diz Rinaldo:
- De qualquer modo, não há comparação com Fusberta. Passando os Pirineus, aquele dragão que enfrentei, cortei-o em dois com um fendente e vocês sabem que a pele de dragão é mais dura que o diamante.
Agilulfo participa:
- Aí está, vamos tentar pôr as coisas em ordem: a passagem dos Pireneus foi em abril, e em abril, como todos sabem, os dragões mudam de pele, ficando moles e tenros como recém-nascidos.27
Segundo a leitura de Juan Isidro, Calvino elabora um jogo de inversões entre os dois lados da questão que vem sendo tratada até aqui: o fato real (no plano da história) e o fato imaginado (no plano da literatura). Se o Quixote é o cavaleiro "real", feito de carne e osso, se é um cavaleiro que, fincado no campo da realidade, vive mesmo é no mundo da lua, Agilulfo, por sua vez, vive apenas no mundo das coisas concretas, exatas, palpáveis, em suma: no mundo real, embora seja, ele próprio, pura ficção, na medida em que simplesmente não existe.
E, acrescenta Juan, é também nessa clave - o da relativização dos conceitos de realidade e ficção - que Calvino recria um determinado momento histórico, a França de Carlos Magno, a partir do olhar de um ficcionista.
O cavaleiro inexistente inexistente seria, portanto, uma releitura do Quixote e, além disso, uma releitura dos próprios limites entre história e literatura. Também aqui, no romance de Calvino, opera-se a estratégia levada a termo por Cervantes: contar uma história a partir de um manuscrito de um historiador que, por sua vez, recorreu a outras fontes, orais e escritas. O que se tem, então, é novamente a estrutura em mise-en-abyme, ou seja, a história que remonta a outra história, que por sua vez remete a outra, e esta a uma anterior, de modo que, ao final, ninguém sabe ao certo qual é a versão original.
Concordo com Juan Isidro Chávez e estranho apenas que ele, tão atento, tenha deixado de comentar uma passagem do livro de Calvino, em que tal estratégia já aparece sugerida, como se fosse uma pista para futuros leitores-detetives. Refiro-me ao trecho em que a narradora descreve o escudo de Agilulfo. Diz ela:
No escudo, exibia-se um brasão entre duas fímbrias de um amplo manto drapejado, e dentro do manto abriam-se outros dois panejamentos tendo no meio um brasão menor, que continha mais um brasão amantado ainda menor. Com desenho sempre mais delicado representava-se uma seqüência de mantos que se entreabriam um dentro do outro, e no meio devia estar sabe-se lá o quê, mas não se conseguia discernir, tão miúdo se tornava o desenho.28
Pela artimanha narrativa de Calvino (e de Cervantes, e de Borges) a origem parece não apenas distante mas simplesmente inalcançável. Se não podemos saber qual é o fato original ou, noutras palavras, o fato real, como distinguir história e ficção? É o próprio Calvino quem responde, pela voz da narradora de O cavaleiro inexistente: "ao que relatam cronistas e contadores de histórias é preciso fazer ressalvas."29
Isidro Chávez vai concluir esse fragmento do seu ensaio lançando ao leitor algumas questões, inspiradas na engenhosa fábula do cavaleiro inexistente. Escreve Juan:
Como existir não existindo? Como contar a história não do cavaleiro (Quixote) que vê coisas inexistentes, como fez Cervantes, mas do cavaleiro que é, ele mesmo, inexistente? E como seus pares convivem com essa inexistência? Como aceitam que ela seja algo normal? Seria possível uma história geral da inexistência, partilhada por quem a escreve e por quem a lê? Seria o historiador não o fiel detentor da verdade visível, mas um ficcionista do invisível? Ou, noutra formulação: seria o historiador um criador de visibilidades que, sob o fundo falso do discurso, esconde apenas o invisível? Seria, esse mesmo invisível, a matéria de que são feitos os sonhos (como diria um outro genial sonhador)?30
A escolha da terceira e última obra ficcional a ser tratada pelo ensaísta argentino em suas considerações sobre literatura e história chega a ser surpreendente. Trata-se do romance Cidade de vidro, do americano Paul Auster, lançado em 1985.
Ora, o livro de Juan foi publicado no primeiro semestre de 1987, quando o autor tinha já a idade de setenta e sete anos. É digno de nota sua vitalidade e ousadia, ao se arriscar a comentar uma obra recém-lançada, ainda sem tradução em espanhol, e de um jovem autor americano, àquela época ainda não canonizado pela crítica e pela academia literárias.
Cidade de vidro conta a história de um escritor de romances policiais, chamado Daniel Quinn, que publica seus livros com o pseudônimo de William Wilson, o personagem de Poe. Tudo começa com o telefone tocando três vezes, tarde da noite, no apartamento de Daniel Quinn. Meio a contragosto, ele atende. Do outro lado da linha, a pessoa diz querer falar com Paul Auster. Diante da resposta negativa, a pessoa insiste: "Paul Auster, da Agência de Detetives Paul Auster". E Quinn: "Lamento, é engano." A pessoa insiste, diz ser urgente, e Quinn finalmente desliga.
A mesma pessoa do primeiro telefonema torna a tocar outras vezes e numa delas Daniel Quinn prefere mentir: diz que sim, é Paul Auster, o detetive. Não satisfeito em ser Quinn, Work - Quinn criara um detetive, Max Work, com quem se identificava cada vez mais, o detetive agindo em vários momentos exatamente como Quinn gostaria de agir - e Wilson, decide se fazer passar também por Paul Auster, de quem nunca ouvira falar.
Daí em diante os enganos vão se multiplicando a cada página, com o surgimento de outros personagens - inclusive do próprio Paul Auster, não o detetive, mas o escritor, que no momento em que se encontra com Quinn está escrevendo um ensaio sobre a verdadeira autoria do Dom Quixote -, com situações que se entrelaçam, com revelações que mais escondem que mostram, criando uma narrativa labiríntica na qual o leitor é convidado a se perder.
Na sua nova profissão de detetive, Quinn acaba se envolvendo mais do que suporta na teia perigosa das conjeturas e, ao final, fica louco. A partir de certo momento, as coisas começam a perder completamente o sentido, ele não encontra mais o fio que antes as ligava e a loucura vai tomando conta dele pouco a pouco.
Desde o início, o protagonista é apresentado como um leitor. Daniel Quinn lia muito, e também gostava de pintura e de ir ao cinema. A própria escolha do pseudônimo, William Wilson, revela um leitor de Poe. E é muitas vezes tendo por modelo um detetive de Poe, Dupin, que ele vai reagir diante das situações de seu novo ofício. Quando recebe o telefonema, aliás, o telefonema que, sendo engano, daria origem a uma série infinita de outros enganos, Quinn estava lendo o livro Viagens de Marco Polo. Ironicamente, pouco antes de receber o tal telefonema, o primeiro deles, lê o seguinte trecho:
Vamos assinalar as coisas vistas como vistas, as ouvidas como ouvidas, de tal sorte que nosso livro possa representar um registro preciso, isento de qualquer tipo de invenção. E todos os que lerem este livro ou ouvirem sua leitura poderão fazê-lo com total confiança, porquanto ele nada contém senão a verdade.31
O jogo dos enganos, da relativização dos limites entre realidade e ficção vai sendo montado - observa Juan Isidro Chávez - já no emaranhado das falsas identidades e continua ao longo do romance de Auster através de pequenos detalhes. Detalhes como este: a leitura, por parte de Daniel Quinn, de um livro de história, ou que se assume como tal, um livro de crônicas históricas destinadas a registrar as paisagens, os costumes, as crenças, as guerras, as diversas culturas dos lugares visitados por Marco Polo em suas viagens. Ao citar o livro de Marco Polo, Auster insinua já em que espaço se move seu romance: no entrelugar, nas fronteiras entre literatura e história. Não é assim que devem ser lidas as aventuras do viajante Marco Polo?, se pergunta Juan.
Daniel Quinn, observa o poeta argentino, constrói uma nova cidade, uma cidade de leitor.
Ele inventa um cidade em que prevalecem as histórias, onde impera a ficção, e se joga nessa nova cidade como mais uma peça do enredo: "Tinha, é claro, muito tempo atrás, parado de pensar em si mesmo como uma pessoa real."32
Cidade artificial e frágil, como o vidro, que ameaça romper-se a todo instante. Cidade dos personagens, enredos, cenários, suspensa sobre a Nova York real como num jogo de espelhos, e pela qual opta quando decide se esconder sob o nome de um personagem de Poe: William Wilson. Quando escreve, é sobre esta cidade. É o que afirma o narrador:
Para Quinn, o que interessava nas histórias que escrevia não era a sua relação com o mundo, mas a sua relação com as outras histórias.33
Segundo Juan, Daniel Quinn é um leitor louco, que resolve mergulhar no texto que ele mesmo vai criando. Inventa uma cidade não invisível mas transparente, como o vidro, que deixa ver através de si a cidade de Nova York. Talvez ele saiba que o preço para habitar a cidade inventada seja a perda da lucidez, ou quem sabe ele só tenha descoberto isso tarde demais.
Quinn é também um leitor que sonha. Decide abandonar seu passado - por motivos não revelados - e criar um mundo de sonho, onde ele pode ser um detetive como Dupin ou como o Max Work que ele mesmo criou. Aqui, nesse mundo novo, onde ninguém o conhece, pode viver à vontade suas fantasias de leitor.
É por ser louco e sonhador, conclui Juan, que ele mesmo se compara, já quase no final de sua epopéia pelas cidades de vidro - Nova York e a outra - a um outro leitor: "Quis saber por que seu nome tinha as mesmas iniciais de Dom Quixote."34
Quinn é Max Work, é William Wilson, é Paul Auster (o detetive, não o escritor) e é também, no final das contas, Dom Quixote. Paul Auster revive, assim, o cavaleiro da triste figura - afirma Juan -, colocado agora no caos urbano, numa Nova York em que não valem os dizeres estampados como profissões de fé nos brasões dos paladinos, dos heróis cavalheirescos. Aqui, na metrópole mundial do século XX, só há um dístico: Time is money.
Ainda assim, o cavaleiro Daniel Quinn resiste, ou tenta resistir, se apegando a uma cidade inventada, feita de pura ficção, como um Quixote pós-moderno.
Juan afirma ainda que Cidade de Vidro é uma história na qual se inserem dezenas de outras histórias. E aqui, insiste ele, nada se explica.
Essas duas estratégias: a do mise-en-abyme, cujo efeito é o de deixar cada vez mais distante qualquer pretensão de se chegar à verdade dos fatos, e a estratégia de não explicar demais ao leitor, de não explicitar as respostas, deixando ao leitor o encargo de procurá-las, a combinação desses dois fatores lembra, segundo Juan, um de seus autores preferidos: Walter Benjamin.
Isidro Chávez cita o ensaio de Jeanne Marie Gagnebin, "Walter Benjamin ou a história aberta", no qual lemos que uma das principais preocupações de Benjamin pode ser traduzida na pergunta: o que é contar história, histórias, História? Juan concorda com a tese de Gagnebin, a de que Benjamin tenha antecipado o conceito de obra aberta, de Umberto Eco, quando, no famoso ensaio "O narrador: considerações sobre a obra de Nicolai Leskov", defende uma narrativa nos moldes daquela praticada pelos contadores de histórias das comunidades primitivas. Para o antigo narrador, uma história era contada a partir de uma experiência própria, da qual se extraía uma sabedoria que deveria ser passada aos mais jovens não na forma de um conselho explícito, de uma moral, mas de uma narrativa em aberto, cujo sentido caberia apenas ao ouvinte alcançar.
Gagnebin, lembra Juan, não tem interesse, porém, em aprofundar a analogia com a teoria de Umberto Eco, mas apenas identificar o movimento de abertura que Benjamin busca detectar na própria estrutura da narrativa tradicional. Segundo Gagnebin, tal movimento pode ser assim definido, com seus desdobramentos:
Movimento interno, representado na figura de Scheherazade, movimento infinito da memória, notadamente popular. Memória infinita cuja figura moderna e individual será a imensa tentativa proustiana, tão decisiva para Benjamin. Cada história é o ensejo de uma nova história, que desencadeia uma outra, que traz uma quarta etc.; essa dinâmica ilimitada da memória é a da constituição do relato, com cada texto chamando e suscitando outros textos. Mas também um segundo movimento, que, se está inscrito na narração, aponta para mais além do texto, para a atividade da leitura e da interpretação. Aqui Benjamin cita Heródoto, "pai da história" e pai de inúmeras histórias, referência importante para nosso objetivo, já que na figura de Heródoto enquanto protótipo do narrador tradicional, vemos também como a escritura da história está enraizada na arte (e no prazer) de contar, como Paul Veyne, bem mais tarde, destacaria. Ora, a força do relato em Heródoto é que ele sabe contar sem dar explicações definitivas, que ele deixa que a história admita diversas interpretações diferentes, que, portanto, ela permaneça aberta, disponível para uma continuação de vida que cada leitura futura renova.35
Gagnebin também afirma que, para Benjamin, enquanto a narrativa antiga se caracterizava por sua abertura, pelo convite ao imaginário feito ao ouvinte, o romance clássico buscava resolver a questão da significado da existência, através de um relato de base moral, através de uma "mensagem". Essa oposição, no entanto, vai se resolver, segundo Benjamin, em dois autores modernos: Proust e Kafka.
E Juan acrescenta, ao estudo de Gagnebin, o seguinte comentário: depois de Proust e Kafka, outros autores, como Borges e Calvino, trilharam caminho semelhante, restituindo ao relato sua natureza de diálogo entre textos - uma história que sai de outra - e sua natureza aberta, como convite ao imaginário do leitor. Além destes, conclui, também Paul Auster, com Cidade de vidro, deveria figurar na lista.
Retomando, agora, o romance de Auster, Juan Isidro Chávez comenta que, a certa altura do livro, Daniel Quinn se encontra com ninguém menos que o próprio escritor Paul Auster. Sim, o Paul Auster autor de Cidade de Vidro, morador do Brooklin, casado, com um filho pequeno etc., quer dizer, com os mesmos traços biográficos do Auster real. Quinn procurava pelo Paul Auster detetive, o verdadeiro, mas acabara encontrando, por engano, a casa do escritor, que o chama para entrar. Durante a conversa, Paul Auster diz que está escrevendo um livro de ensaios. Quinn quer saber qual o tema, Auster diz que é um ensaio sobre um dos seus (de Auster) livros preferidos: o Dom Quixote, de Cervantes.
Quinn diz que este é também um de seus livros preferidos e quer saber mais sobre o que Auster está escrevendo. Auster então lhe diz (a citação é longa, mas Juan Isidro a reproduz inteira e achei melhor, em nome da clareza, fazer o mesmo aqui):
- Creio que posso chamá-lo de especulativo, uma vez que não me proponho a demonstrar nada. Na verdade, é tudo meio na base da brincadeira. Uma leitura imaginativa, acho que se pode dizer.
- Qual é o ponto central?
- Tem a ver sobretudo com a autoria do livro. Quem o escreveu e como foi escrito.
- Existe alguma dúvida?
- Claro que não. Mas eu me refiro ao livro dentro do livro que Cervantes escreveu, o livro que ele imaginou que estava escrevendo.
- Ah.
- É bastante simples. Cervantes, se você está lembrado, não mede esforços para convencer o leitor de que o autor não é ele. O livro, diz Cervantes, foi escrito em árabe por Cid Hamete Benengeli. Cervantes descreve como descobriu o manuscrito por acaso, certo dia, no mercado de Toledo. Contrata uma pessoa para traduzi-lo para o espanhol e desse modo se apresenta simplesmente como o editor de uma tradução. Na verdade, ele não pode sequer afiançar a exatidão da tradução.
- Mesmo assim - acrescentou Quinn -, ele afirma que o texto de Cid Hamete Benengeli é a única versão verdadeira da história de Dom Quixote. Todas as demais versões são fraudes, escritas por impostores. Ele faz questão de deixar bem claro que tudo o que está no livro aconteceu na realidade.
- Exatamente. Pois o livro, afinal de contas, representa uma denúncia dos perigos da fantasia. Cervantes não poderia fazê-lo de forma adequada por meio de uma obra de imaginação, não é verdade? Tinha de garantir que era tudo verdade.
- Apesar disso, sempre desconfiei de que Cervantes devorava aqueles romances antigos. Não é possível odiar com tanta violência uma coisa, a menos que uma parte da pessoa tenha também algum amor por ela. De certo modo, dom Quixote era apenas um substituto para ele mesmo.
- Estou de acordo com você. Não pode haver retrato mais perfeito de um escritor do que um homem enfeitiçado por livros.
- Justamente.
- Em todo caso, como se supõe que o livro seja real, segue-se que a história tem de ser escrita por uma testemunha ocular dos fatos que ocorrem nele. Mas Cid Hamete, o autor a quem a obra é atribuída, nunca aparece. Nem por uma vez alega estar presente naquilo que sucede. Desse modo, a pergunta que faço é a seguinte: quem é Cid Hamete Benengeli?
- Sim, compreendo aonde você quer chegar.
- A teoria que apresento nesse ensaio é de que Cid Hamete é na verdade uma mistura de quatro pessoas distintas. Sancho Pança, obviamente, é a testemunha. Não existe nenhum outro candidato - uma vez que ele é o único que acompanha dom Quixote em todas as suas aventuras. Mas Sancho não sabe ler nem escrever. Portanto, não pode ser o autor. Por outro lado, sabemos que Sancho tem um grande talento para a língua. Apesar de seus insólitos barbarismos de linguagem, ele é capaz de levar qualquer um na conversa no decorrer do livro. Para mim, parece perfeitamente possível que ele tenha ditado a história para outra pessoa, a saber, o barbeiro e o padre, bons amigos de dom Quixote. Eles puseram a história em uma forma literária apropriada, em espanhol, e depois entregaram o manuscrito para Sansão Carrasco, bacharel de Salamanca, que se incumbiu de traduzi-lo para o árabe. Cervantes encontrou a tradução, mandou vertê-la de novo para o espanhol e depois publicou o livro As aventuras de Dom Quixote.
- Mas por que Sancho e os outros tiveram todo esse trabalho?
- A fim de curar a loucura de dom Quixote. Queriam salvar seu amigo. Lembre-se, no início eles queimam seus livros de cavalaria, mas essa medida não produz nenhum efeito. O Cavaleiro da Triste Figura não desiste de suas obsessões. Em seguida, a intervalos, todos eles partem ao encontro de dom Quixote sob variados disfarces, como uma mulher aflita, como o Cavaleiro dos Espelhos, como o Cavaleiro da Lua Branca, a fim de atrair dom Quixote de volta para casa. No final, de fato obtêm sucesso. O livro representava apenas um de seus ardis. A idéia era erguer um espelho diante da loucura de dom Quixote, chamar a atenção dos seus leitores para os seus absurdos e ridículas ilusões, de tal modo que, quando dom Quixote finalmente lesse o livro, veria o engano de sua conduta.
- Gosto disso.
- Pois é. Mas ainda há um último desdobramento. Dom Quixote, ao meu ver, não era realmente louco. Apenas fingia ser louco.
A rigor, ele orquestrava tudo sozinho. Lembre-se: ao longo de todo o livro, dom Quixote preocupava-se com o problema da posteridade. Vezes seguidas, ele se pergunta se o cronista registrará com acuidade suas aventuras. Isso indica um conhecimento prévio da parte dele; dom Quixote sabe de antemão que o seu cronista existe. E quem seria ele, senão Sancho Pança, o fiel escudeiro que dom Quixote escolheu a dedo para esse fim? Do mesmo modo, escolheu os outros três para desempenhar os papéis que lhes destinou. Foi dom Quixote que engendrou o quarteto Benengeli. E não só selecionou os autores, como também provavelmente foi ele mesmo que traduziu o manuscrito árabe de novo para a língua espanhola. Não devemos subestimar suas capacidades. Para um homem tão hábil na arte do disfarce, escurecer a pele e vestir a indumentária de um mouro não devia ser assim tão difícil. Gosto de imaginar aquela cena no mercado em Toledo. Cervantes contratando dom Quixote para decifrar a história do próprio dom Quixote. Há uma grande beleza nisso.
- Mas você ainda não explicou por que um homem como dom Quixote perturbaria sua vida sossegada a fim de se envolver em uma brincadeira desse tipo.
- Pois essa é a parte mais interessante de todas. Na minha opinião, dom Quixote estava pondo em prática uma experiência.
Queria testar a credulidade de seus companheiros. Seria possível, ele se perguntava, se apresentar de peito aberto diante do mundo e, com a maior convicção, cuspir as maiores mentiras e absurdos? Dizer que moinhos de vento eram cavaleiros, que a bacia do barbeiro era um capacete, que marionetes eram pessoas reais? Seria possível persuadir os outros a concordar com aquilo que ele dizia, mesmo que não acreditassem nele? Em outras palavras, até que ponto as pessoas tolerariam blasfêmias se elas lhes proporcionassem diversão? A resposta é óbvia, não é? Tolerariam até o infinito. Pois a prova é que ainda lemos o livro. Permanece extremamente divertido para nós. E, afinal, isso é tudo o que as pessoas querem de um livro: que seja divertido.
Chávez termina com essa citação o seu ensaio. Não há um comentário final, uma conclusão ou algo assim. Fica apenas, ecoando no branco da página, a última frase da citação.
***
E se cabe a um livro causar diversão, legítimo supor que seja também esta a função de um ensaio. Divertir, diga-se de passagem, não apenas o leitor mas também o autor (por que não?). Quanto ao leitor, impossível saber ao certo. De minha parte, porém, confesso que me diverti ao criar a pequena ficção que ora se encerra e cujo personagem principal foi Juan Isidro Chávez, poeta e ensaísta argentino que, como o cavaleiro de Calvino, jamais existiu.
* Artigo publicado em: Fragmentos de Cultura. Nº 13, edição especial. Goiânia: Editora da UCG, julho de 2003.
NOTAS
1CHAVES, Juan Isidro. Letras em labirinto (Buenos Aires: Contexto, 1987). Pág. 68. Este e os demais trechos do livro que ainda serão citados aqui foram traduzidos por mim.
2In: LE GOFF, Jacques et alii. A nova história (Lisboa: Edições 70, 1984). Pág. 17.
3Idem, pp. 31-32.
4Idem, pp. 21-22..
5In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas ( São Paulo: UNESP, 1992). Pp. 347-348.
6Idem, pág. 340.
7Cf. CHAVES, Juan Isidro. Obra citada, pág. 80. Mantive as iniciais maiúsculas, exatamente como aparecem no ensaio.
8CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote ( São Paulo: Abril Cultural, 1981). Pág. 29.
9 Idem, pág. 33
10Idem, pág. 60.
11Idem, pág. 60.
12Idem, pág. 61.
13Idem, pág. 314.
14CHAVES, Juan Isidro. Obra citada, pág. 84.
15BORGES, Jorge Luis. In: Ficcões (4a ed., Porto Alegre/Rio: 1986). Pág. 33.
16Não fosse Borges autor de um belíssimo conto a propósito de tempo e memória: "Funes, o memorioso."
17BORGES, Jorge Luis. Obra citada, pág. 35.
18Idem, pág. 36.
19CHAVES, Juan Isidro. Obra citada, pág. 87.
20Idem, pág. 88.
21CALVINO, Italo. O cavaleiro inexistente (São Paulo: Companhia das Letras, 1993). Pág. 10.
22Idem, pág. 36.
23Idem, pág. 83.
24Idem, pág. 99.
25Idem, pág. 83.
26Idem, pág. 49.
27Idem, pp. 72-73.
28Idem, pág. 9.
29Idem, pág. 74.
30CHAVES, Juan Isidro. Obra citada, pág. 93. O autor refere-se, aqui, aos versos de Shakespeare, em Ricardo III: "Somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos."
31AUSTER, Paul. Cidade de vidro (São Paulo: Companhia das Letras, 2000). Pág. 12.
32Idem, pág. 15.
33Idem, pág. 14.
34Idem, pág. 144.
35GAGNEBIN, Jeanne Marie, in: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política (3a ed. São Paulo: Brasiliense, 1987). Pág. 13.
BIBLIOGRAFIA
AUSTER, Paul. Cidade de vidro, in: A trilogia de Nova York (Cidade de vidro/Fantasmas/ O quarto fechado). Trad. Rubens Figueiredo.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BENJAMIN, Walter. "O narrador: considerações sobre a obra de Nicolai Leskov", in: Magia e técnica, arte e política. 3a. ed. Trad.
Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987.
BORGES, Jorge Luis. "Pierre Menard, autor do Quixote", in: Ficções. 4a. ed. Trad. Carlos Nejar. Porto Alegre - Rio de Janeiro: Globo, 1986.
BURKE, Peter. "A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa", in: A escrita da história: novas perspectivas. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora UNESP, 1992.
CALVINO, Italo. O cavaleiro inexistente. Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote. Trad. Viscondes de Castilho e Azevedo. São Paulo: Abril, 1981.
LE GOFF, Jacques et alii. A nova história. Lisboa: Edições 70, 1984.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. "Walter Benjamin ou a história aberta", prefácio a: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. 3a. ed. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987.
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