 |
Quando amanheceu peguei um ônibus. Chovia, uma chuva fina, enquanto o ônibus me levava para casa eu ia vendo os pingos da chuva descendo de alto a baixo pelo vidro da janela, longas linhas escorrendo pelo vidro como se fossem rios vistos de um helicóptero, e através daqueles rios eu via as pessoas de guarda-chuva, a rua, as calçadas, os poucos carros, a cidade amanhecendo devagar num dia frio e chuvoso, via tudo através das linhas que desciam pela janela como lágrimas na chuva, pensei, me lembrando de um filme que tinha assistido fazia tempo, e sem mais nem menos comecei a chorar, em silêncio, ninguém percebeu, continuei olhando pela janela, a imagem borrada pela chuva se tornou ainda menos nítida porque meus olhos agora também estavam molhados como a paisagem, e confesso à senhora, pode acreditar, é verdade, pensei que naquela hora eu poderia morrer, não precisava de mais nada, não estava triste, ao contrário, era uma sensação boa, comecei a chorar porque aquilo tudo era muito bonito, a chuva no vidro, a rua de manhãzinha, cheguei a pensar, sinceramente, que estava feliz, que nada de mal iria me acontecer, nunca mais, então poderia morrer naquele momento, tranqüilamente.
Trecho do romance A Confissão (Rio de Janeiro: Rocco, 2006)
|
|