Flávio Carneiro


Entrevistas


TENTAR O GOL DE CABEÇA
Jornal do Brasil, 25/04/2009.
Entrevista concedida a Alvaro Costa e Silva.


Neste bate-papo de arquibancada, suscitado pelo seu livro Passe de letra – que terá noite de autógrafos quarta-feira, a partir das 19h, na livraria Prefácio, em Botafogo – Flávio Carneiro fala de questões ligadas à literatura e ao futebol.

Por que não há no Brasil um grande romance sobre futebol?
Porque nenhum autor quis se aventurar a fazer algo de maior fôlego. Normalmente um romance dá mais trabalho, exige mais tempo e envolvimento do escritor. Então um autor pode de repente dizer: vou escrever um conto sobre futebol. E então escreve, como fizeram vários, como o Rubem Fonseca e o Sérgio Sant'Anna. Mas daí a dizer: vou escrever um romance sobre futebol é outra coisa. Veja, aliás, que nenhum escritor (dos que eu me lembre, pelo menos) escreveu um livro inteiro de contos sobre futebol, mas apenas contos esparsos.
A narrativa curta se presta melhor para falar de futebol?
Nunca pensei nisso, mas pode ser. Talvez o conto se preste mais a captar o instante, o recorte, o detalhe que faz do futebol algo apaixonante. Num romance isso talvez se perca, a não ser que se trate de um romance que conte várias histórias dentro de uma história maior. Quem sabe é por isso que tenhamos mais contos do que romances falando de futebol. Mas em literatura, como em futebol, nada é definitivo. Daí a possibilidade de surgirem não apenas grandes contos como também grandes romances e poemas falando do tema.
Fora da ficção, têm surgido no Brasil livros de ensaios, biografias, coleções sobre clubes...
Infelizmente não tenho acompanhado os lançamentos nessa área. Quer dizer, vejo as notícias, leio as resenhas, mas não tenho lido os livros. Não porque não queira, mas porque minha vida profissional me exige o tempo todo outras leituras e essas, que seriam de puro prazer, acabam sendo adiadas. Mas ouvi falar muito bem do livro do Wisnick, Veneno remédio, do qual li apenas o artigo que deu origem ao livro, com o mesmo título, e gostei.
Dos grandes cronistas de futebol brasileiros, quem você destacaria e por quê? Dos atuais, algum lhe agrada?
Os dois da minha preferência são o Nelson Rodrigues e o João Saldanha. Ambos conseguiam algo difícil pra quem escreve: agradar ao mesmo tempo a dois tipos de leitor. As crônicas do Nelson e do Saldanha agradavam ao leitor comum, que queria apenas saber o que eles pensaram desse ou daquele jogo, e também a um outro leitor, digamos, mais intelectualizado, que poderia tirar dessas crônicas um outro tipo de prazer, o de se deliciar com as tiradas geniais de Nelson – um grande frasista – ou com a fina ironia do Saldanha. Dos cronistas diários de jornal, conheço poucos, na verdade. Agora, gosto muito das crônicas do Verissimo tratando de futebol, acho que ele consegue a mesma façanha do Saldanha e do Nelson, a de escrever um texto simples, divertido, e ao mesmo tempo sofisticado do ponto de vista literário.
Do mesmo jeito que você perguntou no seu livro a escritores, quais as manias do Flávio Carneiro como torcedor?
Na televisão, não gosto de ver jogo já começado. Gosto de me sentar na frente da televisão uns 15 minutos antes de começar. Perde muito da graça quando chego em casa, ligo a TV e a bola já está rolando, parece que fica faltando alguma coisa. No estádio, não gosto de ficar atrás do gol. Agora, isso são, digamos, preferências estéticas ou seja lá como se chame. Manias mesmo acho que tenho duas. Uma é não vestir nenhuma roupa que tenha preto ou branco na véspera de jogo decisivo do Botafogo. Só no dia eu visto. Outra é não falar com ninguém no telefone nesses momentos: antes de o jogo começar, durante o jogo ou no intervalo. Tem gente que acha exagero, bastaria não falar durante o jogo, por que não atender antes ou no intervalo? Só eu sei.
Como você vê o futebol praticado no Brasil hoje?
Olha, todo mundo diz que o futebol praticado no Brasil hoje é feio, sem qualidade e tudo mais, que há jogadas bisonhas e tal. Mas vejo isso também no futebol de outros países. Não acompanho muito os jogos de outros países, mas quando vejo confesso que não noto grandes diferenças em termos de qualidade. São jogos mais corridos, com mais velocidade e força, mas continuo achando que as jogadas mais inventivas acabam surgindo por aqui mesmo, apesar de todos os problemas conhecidos, como a incompetência dos administradores, a corrupção etc. Apesar disso estão sempre surgindo jogadores que dá gosto ver jogar, como o Maicosuel, do Botafogo, por exemplo. Ele errou aquele pênalti contra o Americano e caíram de pau em cima dele: que não era um jogador sério, que aquilo era humilhar o adversário, que ele era um peladeiro, coisas assim. Eu mesmo mandei ele para aquele lugar quando vi a bola bater na trave. Mas vendo depois, com calma, sem paixão, foi uma jogada memorável, de constar em qualquer antologia do futebol. E o fato mesmo de não ter entrado, de ter quase sido gol, tornou a jogada ainda mais bonita. Duvido que ele tentasse isso na Europa, duvido que qualquer jogador tentasse bater um pênalti assim na Europa.
E a seleção brasileira?
Jogo de seleção é chato de ver, sempre foi, pelo menos pra mim. É sempre um time que não treina junto, não joga toda semana, você não se envolve com ele. Mesmo em Copa do Mundo, só começa a ficar bom de ver depois daquela primeira fase. E por quê? Porque o time já se conhece mais e você já se envolveu um pouco mais com ele, já viu alguns jogos seguidos. Então não é porque a seleção atual é feita só de "estrangeiros" que é chata de ver, faz parte da própria natureza desse tipo de time. Agora, quando se escolhe um técnico para a seleção, essa seleção obviamente vai ter uma cara, um jeito, mesmo que seja depois de dois ou três anos de trabalho. E essa aí não me parece ter uma cara muito boa não.
Qual a melhor partida de futebol que você viu? O maior time? O maior jogador? O gol mais bonito?
Um Goiás x Santos de algum ano de que não me lembro. Foi pelo Campeonato Brasileiro, na sua versão antiga. Aconteceu na Vila Belmiro, e o Pelé estava jogando. Eu estava torcendo pelo Goiás, só mesmo por ser goiano, puro bairrismo. O Santos fez 4 a 1 e achou que o jogo estava ganho. O Goiás jogou muito e empatou o jogo no último minuto, com gol de Lucinho. Final: 4 a 4. O maior time: a seleção brasileira de 82 (apesar do Serginho Chulapa). Quanto ao melhor jogador, cheguei a ver alguns jogos do Pelé, já no final da carreira, e do pessoal de 70, como o Gérson e Rivelino, que eram geniais, mas quem acompanhei mais tempo mesmo e era sem dúvida um craque foi o Zico. O gol mais bonito: o do Juninho, do Botafogo, contra o Americano, pela Copa do Brasil, na semana passada.
Você sabe cobrar escanteio?
Sei. Mas prefiro estar dentro da área pra tentar o gol de cabeça.




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