Flávio Carneiro


Entrevistas


ENTREVISTA COM FLÁVIO CARNEIRO
Jornal O Popular (Goiânia), 15/12/2011
Entrevista concedida a Ana Cláudia Rocha

A Ilha é uma ficção científica que encerra uma trilogia sobre o Rio de Janeiro. Por que o Rio de Janeiro?

Há uma razão afetiva e uma razão literária para ter escolhido o Rio. Cheguei com 18 anos, no início dos anos 1980, e encontrei uma cidade fascinante e acolhedora, mesmo com seus problemas. No Rio fiz amigos que estão ao meu lado até hoje, construí minha carreira, de professor e escritor, é portanto uma cidade decisiva na minha vida. E literariamente é uma cidade muito rica, com um repertório de histórias inesgotável, as do passado, recontadas em cada esquina, e as que se constroem a cada instante. O Rio é a cidade dos signos. Toda cidade é, mas nesta parece que isso é mais forte, talvez pela própria geografia, toda recortada e juntando mar e montanhas, ou pelo fato de receber pessoas de todos os lugares do mundo, ou ainda por ter sido ali que nasceu nossa ficção, com Machado, Alencar, Aluísio, cujas histórias você pode encontrar ainda, caminhando pela cidade.


A obra mostra uma cidade cercada de água por todos os lados. Qual a razão da água? Alguma preocupação ecológica?

Tenho sim uma preocupação com o futuro do planeta, como cidadão não se pode fugir dessa responsabilidade, que é de todos, mas ao escrever não pensei nisso, quis apenas contar uma história.


Você utilizou os gêneros policial, fantástico e ficção científica na trilogia. Essa escolha foi proposital?

Meu projeto, em todos os meus livros, mesmo os de ensaios, sempre foi conciliar duas coisas que muita gente acha inconciliáveis: sofisticação e entretenimento. Não sei se consegui, cabe ao leitor dizer isso, mas pelo menos foi o que sempre tentei e com esta trilogia não foi diferente. Quis experimentar 3 gêneros considerados populares, de entretenimento, e ao mesmo construir 3 romances que também pudessem interessar ao leitor, digamos, culto. Foi proposital a escolha.


O lançamento de A Ilha tem sido precedido de debates em algumas cidades brasileiras. Qual seu objetivo?

Considero cada livro publicado uma grande conquista. Levei cerca de 8 anos trabalhando em A Ilha, para dar ao romance a forma simples que sempre busquei – a simplicidade, eis aí o mais difícil de conseguir. Então acho que todo lançamento deve ser não apenas uma festa entre amigos, que é importante também, sem dúvida. Acho que esses debates servem para que as pessoas possam saber um pouco como é o processo de criação de um livro e como é a vida de um escritor no Brasil hoje. Muita gente ainda acha que escrever é ficar à toa, esperando a inspiração chegar. Não é nada disso, o escritor lida com as emoções, sua matéria-prima, mas isso não é tão simples quanto parece, escrever é um processo que te ensina sobretudo duas coisas: a humildade e a paciência. Quem acha que não tem nada a aprender e tem pressa de publicar deve escolher outra profissão, para escritor não serve.


Você jogou futebol na adolescência.  Ainda gosta de futebol? Alguns de seus livros falam de futebol. Como esse envolvimento com o esporte interfere na sua produção literária?

Escrevi um livro chamado Passe de Letra, um livro de crônicas que encaro como uma espécie de autobiografia fingida – porque parece não se levar a sério e no fundo é o relato de uma vida –, escrita no cruzamento de duas paixões: futebol e literatura. O sonho de ser escritor cresceu junto com o de ser jogador. Tive a oportunidade de ser jogador profissional, quando completei 18 anos, mas optei por seguir outro rumo, o da literatura. Não vejo nada mais parecido com literatura do que futebol – não o uso político que fazem do esporte, falo do jogo em si. Em ambos o que vale é o imprevisível, o que não se espera. Ainda gosto e ainda jogo futebol, em Teresópolis, onde moro. O futebol está em tudo que escrevo, mesmo que não pareça.


Na sua biografia há obras destinadas ao leitor infanto-juvenil, assim como há policiais, textos fantásticos, romances, crônicas, ensaios e crítica literária. Como você se divide na hora de escrever dentro dessa diversidade?

Durante um tempo, na minha juventude, achava que estava me dividindo ao escrever dentro dessa diversidade. Depois vi que não, sou sempre a mesma pessoa, me expressando de formas diferentes. O que liga os meus livros, por mais diversos que sejam numa primeira leitura, é o grande cuidado que tenho com a imaginação do leitor. Um ensaio literário e um conto infanto-juvenil, por exemplo, devem exigir de quem escreve o mesmo cuidado: o de respeitar o espaço do leitor, o de não explicar demais (nem de menos), deixando que o leitor cresça junto com o texto, que o leitor se transforme também, de certa forma, num escritor, construindo seus próprios sentidos, seus personagens, seus cenários secretos, que só ele consegue ver.


 Você já recebeu diversos prêmios por seus livros. O que eles alteram na sua carreira literária?

Um prêmio funciona como uma motivação. É importante saber que seu trabalho está sendo reconhecido por profissionais de literatura. Por outro lado, pode ser uma armadilha. Ganhar um prêmio não significa necessariamente que você seja um escritor melhor do que os outros, a escolha é sempre um pouco subjetiva, então quem recebe um prêmio não deve achar que está pronto, ninguém está pronto, um escritor muito menos. O prêmio é importante, você deve comemorar, mas não por muito tempo, é preciso esquecer que ganhou e voltar a escrever, que é o que de fato interessa.


Qual o próximo livro? Já está escrevendo?

Tenho um projeto antigo, mas não sei se a sua hora chegou – os livros dizem a você quando querem ser escritos. E penso num novo romance policial também, não sei ainda.




 Outras Entrevistas




Voltar