Flávio Carneiro


Entrevistas


DEVAGAR & DIVAGANDO
Entrevista concedida a Cíntia Borges, do site da Editora Rocco (Rio), julho de 2014

1 - Flávio, em seu trabalho de criação, a ideia surge rápida como a espontaneidade de uma criança, devagar como os passos de uma tartaruga, ou é preciso ruminar muito tempo antes de pôr as palavras ou os desenhos no papel?
A ideia de uma história costuma surgir do nada - ou a gente pensa que é do nada -, de repente, quando menos se espera. Mas é só a ideia, a semente da história. A história mesmo, inteira, demora a tomar corpo. E colocá-la no papel é um processo mais lento ainda, que requer muitas páginas jogadas fora. É um trabalho meticuloso, de reescrever mais do que escrever, de cortar e acrescentar, até que o texto final me agrade enquanto leitor. Só mando para a editora a história que eu, como leitor, gostaria de ler. Por isso o teste final é esse, o de responder "sim" à pergunta que faço, com meu próprio texto nas mãos: eu gostaria de ler isso, se fosse de outro autor?

2 - No livro, o sonho e a imaginação têm papel de destaque nos personagens da tartaruga, da vaca e da menina. Para você, qual a importância de sonhar, em especial quando criança?
Sonhar é fundamental, para a criança e para o adulto. O sonho é que faz você se sentir não apenas vivo mas com vontade de continuar vivendo. A criança representa o tempo inteiro, o que significa que, de algum modo, está sempre sonhando. Quando minha filha Maria, de 3 anos, me diz que sua boneca está muito cansada mas só dorme quando ela, Maria, lhe conta uma história, quando faz isso está sonhando, de um jeito muito particular, só seu. E minha função, como pai, é não deixar que ela deixe de sonhar assim quando for crescendo e o mundo lhe parecer hostil em relação aos sonhadores.

3 - A história guarda um segredo sobre o quê de diferente da tartaruga Devagar e da vaca Divagando. Com as crianças cada vez mais espertas, como manter o mistério e fugir do óbvio?
Acho que o autor nunca deve dizer tudo, deve sempre deixar espaços vazios, que a imaginação do leitor vai preencher. E deve sempre apostar na inteligência e na imaginação do leitor. Quando escrevo penso numa criança - e num adulto, mesmo em textos infantojuvenis penso no leitor adulto, que acharia prazeroso ler aquela história - que goste de imaginar. E o que o escritor faz é isso, é montar esse brinquedo chamado livro e dar de presente ao seu leitor, um brinquedo que só funciona quando acionado pela imaginação de quem quer brincar com ele. Agora, como fazer isso, como escrever esse texto-brinquedo vai depender de cada história. Cada uma pede um jeito de ser contada, cada história é uma nova aventura da escrita, nunca é igual à anterior.

4 - Tendo experiências com outros tipos de público - Carneiro é escritor consolidado junto aos leitores adultos, escrever para crianças é mais difícil? O que significa para você trabalhar com o público infantil?
Não sei se é mais difícil. Acho que a dificuldade é a mesma, embora pareça que não, que escrever para crianças é mais fácil do que escrever para adultos. No meu caso, o prazer e a dificuldade são iguais. O mais difícil é sempre encontrar o tom do narrador. É preciso encontrar alguém certo para contar a história que você quer contar. Não é você, autor, que conta, você inventa alguém para contar a sua história. E esse alguém precisa ser convincente, precisa ser coerente consigo mesmo, com o seu jeito de narrar. Já tive narradores bem diferentes entre si: um velho franciscano, um jovem louco por romances policiais, um sequestrador (que sequestra uma mulher apenas para lhe contar uma história), um menino de 14 anos que vai investigar o paradeiro da mãe, uma menina que conversa com seu despertador, até sereia já coloquei para contar uma história. E essa busca por uma voz narrativa, por alguém que conte a história, existe tanto na ficção para adultos quando na infantojuvenil.

5 - O que achou do trabalho do Flávio Fargas, ilustrador do livro?
Achei sensacional o trabalho do Fargas. Conversamos muito durante todo o processo de ilustração, ele me mandava esboços e a gente ia conversando sobre os desenhos. Não acho que seja um texto fácil de ilustrar porque a ambiguidade em torno da verdadeira natureza da vaca e da tartaruga só pode ser desfeita no final. Além disso, é preciso que as ilustrações possam ser relidas de certa maneira. Quer dizer, depois que o leitor descobre quem de fato são Devagar e Divagando, ele pode querer rever as ilustrações, para descobrir se as pistas estavam ali. É como num romance policial, não dá para enganar o leitor, as pistas têm que estar ali, diante dos olhos dele, mas não muito evidentes, claro. O Fargas conseguiu esse efeito, as ilustrações mantêm essa ambiguidade até o fim da história. Além de serem muito bonitas, com um traço muito original.




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