|
|
|
|
CONVERSAS NO SÓTÃO – COM FLÁVIO CARNEIRO.
www.labirintosnosotao.com, 25/08/2008.
Entrevista concedida a Marcelo Maluf.
|
|

|
Qual é o seu "lugar imaginário" favorito dentro da literatura?
Como quase todo escritor, o meu lugar imaginário dentro da literatura é o de leitor. Se me fosse permitido escolher (e não é, claro) seria só leitor. Seria bem mais fácil: quando me desse vontade de escrever uma história, eu diria para alguém, um gênio da lâmpada: escreve agora essa história pra mim, transforma em livro e me deixa aqui sozinho, sossegado, que eu quero ler.
O Italo Calvino dizia que, no início da sua carreira, escrevia o que as pessoas queriam ler. E um belo dia se deu conta de que não, de que deveria escrever o que ele, Calvino, gostaria de ler.
Talvez todo escritor seja um leitor frustrado. Quer dizer, um leitor que não achou o que gostaria de ler e por isso inventou de escrever o livro que faltava. E quando o livro que ele escreveu é publicado, ele quer ler outro, claro. E então escreve o próximo livro. E nessa agonia ele vai seguindo, sempre atrás do que não existe.
Se você entrasse no labirinto de Creta e deparasse com o Minotauro, o que você faria ou diria para ele?
Não dá pra dizer nada, é só morrer e pronto, sem mais. Ou então, como uma última tentativa, eu diria: você não existe, sabia? Você é pura invenção. Pode ser que ele ficasse comovido com a resposta e aí dissesse, meio triste: você também não. E aí talvez a gente se sentasse no chão, em silêncio, como dois velhos amigos, perdidos.
Se você pudesse escolher ser um personagem da história da literatura, qual seria?
Um detetive. Acho que da galeria do Sherlock não, mas quem sabe um Sam Spade, um Mandrake.
Qual é a importância da imaginação no seu processo criativo?
Todo escritor lida com a imaginação, claro. Mas acho que alguns são mais discretos com relação a isso, quer dizer, preferem uma literatura em que a imaginação não fique tão evidente. São aqueles que trabalham mais com um relato documental, digamos assim. No meu caso é diferente, busco histórias que deixem clara essa opção pela imaginação, com lugares que não existem, por exemplo, ou por personagens beirando o fantástico, o sobrenatural.
Qual foi o autor ou livro que, na sua infância ou adolescência, te fez gostar de ler, ter o prazer da leitura?
Essa é uma pergunta que sempre me comove, porque na verdade não tive um livro assim. Não sei qual foi o livro que me fez gostar de ler. Me lembro vagamente de umas crônicas, de uns poemas, mas é tudo muito vago. Eu não lia muito quando era criança, mas tive o privilégio de ter um pai contador de histórias, do tipo que não existe mais, daqueles contadores de causos do interior. Nasci em Goiânia e cresci ouvindo meu pai contar suas histórias e minha mãe ficar sempre elogiando minha caligrafia e minhas notas em português, na escola. Isso pra mim foi minha formação, a presença deles em volta, dizendo sem dizer que estavam comigo para histórias futuras.
Não acho que seja por acaso que me tornei mais tarde leitor, escritor, que escolhi ser professor de literatura, que fiz e faço todo dia uma verdadeira apologia da leitura. Isso tudo tem a ver com eles.
Se você tivesse uma máquina do tempo, que escritor(a) do passado você desejaria encontrar?
Borges, já no final da vida. Eu daria um jeito de burlar a vigilância da Maria Kodama e ficaria com Borges na sua biblioteca, numa tarde em que ele estivesse lá, sozinho. E então diria para ele: eu sei quem você é. E, passado o espanto inicial, ele não me responderia o óbvio, apenas pediria que eu pegasse, na estante, um livro. Qual?, eu perguntaria. Você deve saber, seria a resposta.
|
 |
|
|
|
|
|
|