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AS POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE ESCREVER E LER
Jornal O Regional, 19/09/2010.
Entrevista concedida a Érica Bernardes.
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Você costuma dizer que ler, assim como escrever, é uma arte. Como funciona isso? Existem artistas amadores, nesse sentido?
Ler é uma arte sim, embora diferente da arte de escrever. O produto final do artista escritor é o livro, é algo concreto, material. O produto final do artista leitor é a leitura, a interpretação do texto, ou seja, algo abstrato. Em ambos os casos, tanto na escrita quanto na leitura, é fundamental ter muita imaginação.
E há, claro, artistas amadores quando se fala de leitura. É a maioria, aliás, aquele leitor que lê por prazer. E há os leitores profissionais, como o professor de literatura, por exemplo, ou o crítico literário.
Quais as possíveis relações entre escrever e ler?
São muitas. Escrevi toda a primeira parte do livro O Leitor Fingido e também muitos fragmentos da segunda justamente como resposta a essa pergunta. Talvez o que seja mais importante na relação entre escrever e ler é que são duas atividades ligadas diretamente à capacidade do homem de lidar com a diferença. Quem não aceita a diferença não pode ser nem escritor nem leitor.
Quem é o leitor fingido?
Eu, você. E é também aquele leitor que acompanha todo o processo da escrita ficcional. Quando o leitor escreve, é guiado sempre por uma imagem de leitor, um leitor que ele, escritor, finge existir para que a história possa ser escrita para ele, para este leitor fingido, ficcionalizado.
É preciso comparar para não perder o sentido das coisas, para não esquecer como é relativa a distância das coisas?
Sim, aqui você se refere ao título de um dos meus romances, A distância das coisas. O narrador, Pedro, um menino de 14 anos, acredita nisso, nessa afirmação que na verdade ele ouviu num filme (Minha vida de cachorro, de Lasse Halsström).
Isso tem a ver com o que eu disse na pergunta anterior, é preciso lidar o tempo todo com a diferença, quer dizer, com a ideia de que tudo pode sempre ter uma outra leitura, que o mundo é algo sempre em movimento, como diz o Pedro. Por isso ele diz que é preciso comparar. E eu completaria: é preciso comparar para que a gente não seja tragado pela mesmice, pelo pensamento autoritário, que busca apagar a diferença, diferença entre as coisas, os sentimentos, as pessoas.
Como surgiu a ideia de unir literatura e futebol?
No livro Passe de Letra conto essa história. Dos 11 aos 18 anos joguei futebol nas divisões de base de times de Goiânia, onde nasci. Aos 18 recebi um convite pra jogar no profissional do Guarani, de Campinas. Precisava decidir: ou seguir carreira como jogador ou dar vazão a outro sonho antigo: o de ser escritor e me mudar para o Rio de Janeiro. Acabei ficando com a segunda opção mas o futebol me acompanhou e acompanha até hoje. Então fiquei pensando: por que gosto tanto dessas duas coisas tão diferentes? E descobri que não são tão diferentes assim. Pelo contrário, futebol e literatura têm muito mais afinidades do que diferenças.
Há alguns anos atrás, o jornal de literatura Rascunho, de Curitiba, me convidou pra assinar uma coluna. Resolvi então que falaria sobre esse tema: futebol e literatura. Depois reuni essas crônicas e publiquei em livro, com o mesmo título da coluna: Passe de Letra, lançado em 2009.
Há mais coisas entre o céu e a pequena área do que supõe a nossa vã filosofia?
Sem dúvida. O futebol, como a literatura, é imprevisível. Uma das expressões mais conhecidas dos boleiros em geral é: futebol é uma caixinha de surpresas. Um romance também é, não acha? Um bom romance ninguém sabe como vai acabar. Um jogo também é assim. Aliás, nisso o futebol leva vantagem sobre a literatura. Um romance ruim não é surpreendente, você sabe exatamente o que vai encontrar na próxima página, os mesmos clichês de sempre. Já um jogo de futebol, mesmo ruim, pode guardar uma surpresa, nem que seja para os 44 minutos do segundo tempo.
Das suas atividades, qual a que te dá mais prazer?
Escrever ficção. E é também a que me dá mais trabalho. Escrever é muito bom quando tudo está dando certo e muito angustiante quando a história empaca, não anda, ou quando você já escreveu metade de um livro e descobre que não era aquilo que você queria escrever e precisa pensar o que fazer: se tentar consertar ou se abandonar o já escrito e partir pra outra.
Você tem facilidade para falar com o público?
Acho que sim. Nos encontros com leitores, como esses do ótimo projeto Viagem Literária, de que já participei duas vezes (em 2009 e agora), tenho tido sempre boas conversas com o público, que é bastante variado: crianças, adolescentes, adultos, professores, alunos e outros profissionais. Tenho participado de várias feiras literárias país afora e me sinto bem à vontade com o público.
Sou professor de literatura na universidade (UERJ) há mais de 20 anos e essa experiência certamente ajuda nesses momentos.
Gosto muito desse encontro com os leitores reais. Quando estou escrevendo um romance, meu contato é sempre com um leitor imaginário, o leitor fingido. Depois que o livro está publicado, é uma grande alegria conviver, mesmo que por uma ou duas horas, com leitores de carne e osso. Esses encontros rejuvenescem o escritor, dão a ele mais vontade de continuar escrevendo. Pelo menos é o que acontece comigo.
Como a literatura brasileira é vista atualmente?
Ainda há um certo preconceito da parte do leitor comum, o leitor que não lê profissionalmente mas por prazer, divertimento. Esse mesmo preconceito existiu e existe ainda com o cinema brasileiro por exemplo. É um erro, claro. Tanto o cinema quanto a literatura no Brasil estão atravessando momentos muito bons. No caso da literatura, publiquei um livro em 2005 chamado No país do presente: ficção brasileira no início do século XXI, em que comento 65 obras de ficção brasileira contemporânea de boa qualidade.
E esse fato, o de que se produz hoje uma boa literatura brasileira, começa a ser reconhecido no exterior. Tem aumentado bastante o número de obras brasileiras publicadas no exterior e não por acaso o Brasil foi escolhido como país homenageado na próxima feira de Frankfurt, na Alemanha, uma das mais importantes e tradicionais do mundo.
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