Flávio Carneiro


Entrevistas


ENTREVISTA COM FLÁVIO CARNEIRO
Site Armadilha Poética (www.armadilhapoetica.com.br), 15/02/2007.
Entrevista concedida a Aline Aimée.


Ficcionista, ensaísta e professor de literatura na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o goiano Flávio Carneiro é figura referencial no que diz respeito ao estudo da literatura contemporânea. Sua contribuição crítica é freqüente nos suplementos literários de diversos jornais e em revistas especializadas.
Em "No país do presente", Flávio elege e explica o termo "pós-utópico" (usado originalmente por Haroldo de Campos) para designar a literatura produzida a partir da década de 80 - período carente do "princípio-esperança", isto é, de um posicionamento contrário a certa postura ideológica. Ao contrário dos modernistas, que se opunham à aristocracia e à "mesmice burguesa", ou da geração seguinte, que combatia o atraso político, a opressão e as desigualdades sociais, à literatura pós-utópica cabe a revisão crítica da utopia, bem como uma postura multifacetada que se atém ao presente em vez de tecer objetivos que almejem à transformação do futuro.
No plano ficcional, Flávio desenvolveu a modalidade policial e o romance fantástico, além de ter publicado cinco livros infanto-juvenis e escrito dois roteiros cinematográficos.
Saiba mais sobre o autor em www.flaviocarneiro.com

Como se deu a formação do Flávio escritor?
Acho que o início de tudo teve a ver com meus pais, mas de uma forma curiosa. Eles nasceram em cidades pequenas, no interior de Goiás, e só se mudaram para Goiânia já adultos. Não tinham muito gosto por livros, nossa casa nunca teve uma biblioteca ou mesmo uma estante repleta de livros. Mas meu pai era, ainda é, um grande contador de histórias, desses que a gente quase não encontra mais. E minha mãe chegou a ser professora primária por um bom tempo. Eles não liam muito mas me incentivavam bastante. Meu pai dava aula de datilografia e datilografou meus primeiros ensaios de histórias (a professora contava a história na aula e a reescrevia em casa, inventando um pouco), que depois minha mãe e eu transformávamos em pequenos livrinhos costurados a mão.
A formação veio vindo com a prática mesmo, tanto da leitura quanto da escrita. No início escrevia poemas, como todo adolescente que se preze. Acho que por volta dos 15, 16 anos escrevi meu primeiro conto, falando de um rio que passava perto da minha casa, em Goiânia.
Me mudei pro Rio de Janeiro com 18 anos, fiz Letras (na UERJ mesmo, onde hoje dou aula), dei sorte de cair numa turma que adorava ler e escrever. Aliás, uma coisa importante na minha formação como escritor: gostava muito de escrever cartas. Para minha família, namorada, amigos lá em Goiânia mas também para amigos do Rio mesmo. Era uma prática que não se tem mais, e que acho muito interessante pra quem está começando. Escrevi inclusive uma novela juvenil, recentemente, na forma de cartas, publicada em 2006 pela SM: Prezado Ronaldo, contando a história de um garoto de 12 anos, centroavante do infantil do São Cristóvão, que vive dividido entre os sonhos de ser jogador profissional e escritor, e escreve uma série de cartas para seu ídolo, o Ronaldo Fenômeno.
Você atua na literatura em várias frentes: prosa de ficção, literatura infanto-juvenil e crítica literária. Tem predileção por algum desses gêneros?
Não. Quer dizer, das três formas a que menos me dá prazer é a crítica. Acho que é uma escrita cercada demais de realidade. Por isso, aliás, quando escrevo crítica, procuro dar ao texto um tom mais literário, quem sabe pra compensar. Cheguei a radicalizar um pouco isso num artigo chamado "Sonhos de Quixote", que está no meu site.
Cinco de seus livros são destinados ao público infanto-juvenil. Há aí uma preocupação com a formação do leitor? Que acha do fenômeno editorial Harry Potter?
Quem escreve sempre está pensando num leitor, claro. Eu me preocupo muito sim com a formação do leitor, mas essa preocupação está presente de forma mais explícita nas minhas ações como professor e crítico. Quando escrevo ficção, essa preocupação não é prioritária. É, na verdade, uma conseqüência. Acho que o livro está pronto quando olho pra ele e digo: acho que eu gostaria de ler isso se fosse um leitor. Quer dizer, há uma preocupação sim com a formação do leitor, mas de modo diferente, enviesado.
Não tenho uma opinião muito clara sobre o fenômeno Harry Potter não. Tenho mais clareza sobre o fenômeno Paulo Coelho. Escrevi um artigo que iria se chamar justamente "Por que não gosto de Paulo Coelho". Depois mudei o título para "A ficção falsa" - também está no site (desculpe ficar citando a mim mesmo mas acho mais prático indicar logo os escritos do que ficar tentando resumir as idéias aqui). Mas se você for ler o artigo, lembre-se depois da leitura de que não acho Harry Potter ficção falsa não, apenas não pensei muito sobre o assunto (e gostei do primeiro livro da série, o único que li).
Em seu último romance "A confissão", você desenvolve a temática do fantástico, pouco explorada em nossa literatura. Há algum autor que lhe sirva como referência nesse gênero específico?
Há alguns. Os clássicos: Maupassant, Borges, Cortázar, Calvino. Dos brasileiros li muito Murilo Rubião.
Há outros autores que considere influências ou referências, de maneira geral?
Certamente, mas é muito difícil definir isso de influências, todas as leituras de algum modo te influenciam. Posso dizer que minhas predileções, além dos citados, são Machado, Poe, Rubem Fonseca, Paul Auster, entre outros.
Durante o processo criativo, você elabora pesquisas, resumos, ou vai criando à medida que escreve?
Pesquisa depende da história. Pesquisei muito sobre geografia para escrever A distância das coisas, meu próximo romance (catalogado como juvenil), que vai ser lançado agora em fevereiro. O narrador, um garoto de 14 anos, é apaixonado por geografia e tive que correr atrás da sua paixão para poder criá-lo melhor.
Além de lecionar, você vem produzindo vasto material crítico acerca de literatura, especialmente contemporânea. Há influência da atividade teórica sobre a criação ficcional? Como se dá a articulação dessas práticas?
Hoje é tranqüilo. Na época da faculdade foi um pouco complicado, porque eu não estava ainda formado enquanto escritor (ainda não estou, claro, mas na naquela época era bem menos experiente), ficava um pouco inseguro (bem mais do que hoje) e nessas horas você lidar com muita informação teórica pode confundir um pouco. Agora não, sobretudo porque busco, tanto na crítica quanto na ficção, investir bastante na fantasia, na imaginação, e isso de certa forma diminui a distância que possa haver entre uma atividade e outra.
Em "O país do presente: ficção brasileira no início do século XXI", você compila resenhas publicadas de 2000 a 2004. Quais foram os critérios dessa seleção?
Fica um pouco difícil reproduzir aqui os critérios, isso está mais explicado lá no livro. Selecionei as obras que pudessem ser as mais significativas das diversas tendências atuais e, ao mesmo tempo, tivessem alguma qualidade, mesmo com algumas ressalvas. Procurei também mesclar autores novos e experientes, fugindo da idéia de fazer apenas um panorama dos novos autores, porque achei mais produtivo falar de livros e autores que estão publicando agora, independente de terem começado há pouco tempo ou não.
Inúmeros escritores vêm recorrendo aos blogs e aos sites e revistas especializados para publicar seus trabalhos. Na sua opinião, qual a contribuição da internet na cena literária contemporânea?
Toda linguagem nova, se for forte - como é a internet - influencia de algum modo a vida cultural e, por extensão, a literatura. Acredito que os blogs instauram sobretudo um novo modo de se escrever diários. O diário agora é público e em grande parte literário ou de divulgação cultural. Todo diário é fingido, como dizia Barthes, mas o do blog é de um fingimento diferente, porque feito já para ser público, publicado. Acho interessante isso.
E acredito que a internet instaura - ou de certa forma espelha - um novo modo de se lidar com a passagem de tempo. Como dizia o Décio Pignatari, já nos anos 70, estamos vivendo uma mudança na velocidade da mudança. A partir dessa nova configuração da passagem do tempo, sem dúvida é preciso repensar, por exemplo, os conceitos de cânone, tradição, ruptura etc.
Você escreveu dois roteiros para o cinema. Como foi essa experiência e como a prática com a prosa de ficção auxiliou nesta nova atividade?
Sempre quis escrever para cinema. Dei aula na Comunicação da PUC (Rio) durante sete anos e sempre falei das relações entre cinema e literatura. A primeira oportunidade veio com o diretor Adolfo Lachtermacher, que queria fazer um curta sobre o que se passou na noite seguinte à final da copa de 50, entre Brasil e Uruguai. Ele vinha pesquisando o tema havia anos, mas ainda não tinha a história, e me convidou pra escrever. O título é A noite do capitão e o filme, já rodado, está na fase de finalização.
Depois veio o convite do diretor André Sturm, de São Paulo, feito primeiramente à minha esposa na época, a escritora Adriana Lisboa, e depois estendido a mim também. Eu e Adriana escrevemos juntos o roteiro do longa Bodas de papel e foi uma experiência muito rica. Por ser uma escrita em parceria com ela, que tem um estilo bem diferente do meu, e por ser para cinema.
Por sermos dois escritores, tivemos a preocupação de não pegar pesado demais no literário, para o roteiro não parecer um romance e sim o mapa, o guia de um filmesim. Ao mesmo tempo, queríamos que o filme tivesse algo de literário, não muito mas que lembrasse também literatura. Daí que o fio condutor da trama tem a ver a história dos três príncipes de Serendip, de onde o Horace Walpole cunhou a palavra inglesa "serendipty". Ou seja, há uma base literária guiando o roteiro. Há também certo lirismo.
Quem escreve para cinema pensa imagens. Essa foi a novidade pra mim, em termos práticos (a teoria já conhecia como professor), saber que a palavra viria acompanhada de som e imagem e que, portanto, já não era a mesma palavra posta no papel.
Quais os próximos projetos?
Bom, há aquelas atividades de sempre, de todo ano: a oficina do conto, na Estação das Letras, as aulas na graduação e pós-graduação da UERJ, as palestras, participação em encontros literários, as colaborações em jornais etc.
Agora, para 2008 aguardo o lançamento do A distância das coisas e dos dois filmes (o longa estréia em março). Também pretendo terminar de escrever um novo romance, que completará a trilogia que já conta com O campeonato e A confissão. Talvez consiga terminá-lo até o final do ano.
E pretendo também reunir em livro as crônicas sobre futebol que venho escrevendo pro Rascunho, de Curitiba, mas isso pra 2009, quando devo relançar também meu primeiro livro de contos, Da matriz ao beco e depois, publicado em 1994 pela Rocco.




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