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A IMPOTÂNCIA DO LEITOR
Revista Conhecimento Prático: Literatura, nº 32, outubro 2010
Entrevista concedida a Rafael Rodrigues.
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De que adianta que um livro seja escrito e publicado se não houver leitores? A trajetória de uma obra só se completa quando ela é lida. No entanto, há quem não se importe com os leitores. Na tentativa de corrigir essa injustiça, o escritor e crítico literário Flávio Carneiro faz do leitor o protagonista de seu mais recente livro, O leitor fingido, editado pela Rocco. Goiano de nascimento e carioca por opção, vivendo no Rio de Janeiro desde a década de 1980, o autor vem publicando de maneira sistemática suas obras de ficção e também as não-fictícias. Entre seus escritos de maior destaque estão os romances O Campeonato e A Confissão, o volume de ensaios No país do presente: ficção brasileira no início do século XXI e o livro de crônicas Passe de letra – Futebol e Literatura, uma coletânea de textos originalmente publicados no jornal Rascunho, de Curitiba. Na entrevista a seguir, Flávio Carneiro fala sobre a literatura e seus leitores.
É comum vermos autores estrangeiros darem destaque a algum esporte em suas obras, como o críquete inserido no romance Terras Baixas, de Joseph O’Neill, para citar um exemplo recente. Apesar do nosso país ter uma relação muito particular com o futebol, o esporte não está muito presente em nossa ficção. Nos últimos anos, apenas um romance, O paraíso é bem bacana, de André Sant’Anna e uma coletânea de contos, 22 contistas em campo, organizada por Flávio Moreira da Costa, da qual você, inclusive, participou, tiveram algum destaque na mídia. A que se deve a falta de obras focadas no tema do esporte? Seria alguma espécie de preconceito?
Não acho que seja preconceito. É uma pergunta difícil de responder. Acho que o futebol, o jogo em si, é tão apaixonante que qualquer discurso em torno dele acaba parecendo menor. E não é só o caso da literatura. Não há também filmes sobre o tema. No máximo temos ensaios antropológicos, e bons, mas textos de ficção temos poucos, realmente.
Você tem acompanhado os autores contemporâneos brasileiros? O que tem achado da produção nacional?
Acompanhei essa produção em parte dos anos 90, quando escrevi para o Jornal do Brasil e para o Globo sobre os lançamentos. Depois publiquei um livro, No país do presente: ficção brasileira no início do século XXI (Rocco), com resenhas de livros lançados entre 2000 e 2004, mas depois disso tenho me dedicado mais ao meu próprio trabalho como ficcionista.
Se tornou lugar-comum dizer que a literatura brasileira é hermética ou difícil. Qual sua opinião em relação a isso?
Não, não é nada disso. A melhor literatura brasileira produzida hoje não é hermética, difícil ou coisa assim. Claro que boa parte da mídia privilegia autores que querem aparecer por conta de uma suposta transgressão que nada tem de novidade e apenas mimetiza obras de uma vanguarda pra lá de ultrapassada. Mas os melhores autores brasileiros de ficção, os novos e os consagrados, sabem que não é assim que a coisa funciona, que é preciso ser inventivo, original, mas ao mesmo tempo ser legível, quer dizer, ser compreendido pelo leitor comum. Já passou essa história de vanguarda, choque etc., o que importa é ser original e, ao mesmo tempo, ser lido também.
O leitor não seria também, com o perdão do trocadilho, um “fugido”? Ao menos ao que parece, o leitor foge da literatura brasileira. O que fazer para conquistá-lo de volta?
Essa é uma questão difícil e na verdade a primeira a ser colocada. Afinal, para quem escrevemos? E não se trata apenas de conquistar o leitor para a literatura brasileira, mas o leitor pra literatura. Já participei de alguns projetos de promoção da leitura no país e o que o posso dizer é que se trata de um processo complicado, longo, e que deve envolver todos os setores da sociedade. Vivemos num país em que ainda há muitos analfabetos, os de verdade e os mais ou menos. E aí como pensar em estratégias pra conquistar o leitor? Que leitor? Não vejo nenhum candidato à presidência tocando nesse assunto. Isso é o mais lamentável de tudo, esse absoluto silêncio dessas pessoas que nos pedem votos sobre o que realmente importa: ter uma sociedade leitora.
Ainda sobre esse assunto, como você vê a quase repulsa que parte da população brasileira tem pelos livros? De quem é a culpa, se é que existe um culpado? Dos autores, do sistema educacional, dos leitores ou de todos?
Infelizmente, o leitor brasileiro, de um modo geral, lê hoje uma literatura de baixa qualidade. No século XIX, líamos os folhetins de baixa qualidade literária publicados na Europa, sobretudo na França, e traduzidos aqui. Os best-sellers de hoje se parecem com isso, são de uma baixa qualidade sem dúvida preocupante. Vivemos num país, já disse alguém, em que ler um livro significa não ler outro. Quer dizer, é preciso escolher, não dá pra ficar com tudo. E temos escolhido mal, muito mal.
É comum que vejamos autores estrangeiros engajados politicamente ou defendendo alguma causa tanto em entrevistas e artigos quanto em seus livros de ficção. Para citar três exemplos conhecidos, Gabriel García Márquez e George Orwell escreveram dezenas – talvez centenas – de artigos políticos e Mario Vargas Llosa chegou a ser cadidato à presidência do Peru. O que você acha dessa mistura entre arte, mais especificamente a literatura, e política? O engajamento é necessário ou é melhor separar as coisas?
Não, o engajamento não é necessário, a não ser no campo mesmo das relações sociais. Como o escritor é um cidadão, como qualquer outro, seu engajamento político pode ser importante, claro, mas apenas enquanto cidadão. Para ser escritor o que vale é escrever, e pronto. Veja o caso de autores como Borges, por exemplo, que politicamente era considerado um reacionário, pelo menos do ponto de vista da esquerda argentina, e como escritor foi genial. Outro caso é o de Nelson Rodrigues, no Brasil.
Para finalizar, uma pergunta leve: o que você está lendo no momento?
Ficção científica, para ajudar no novo romance.
Você poderia adiantar alguma coisa sobre o livro?
Este romance é o último de uma trilogia do Rio de Janeiro. A ideia foi escrever três romances que tivessem o Rio como cenário e que dialogassem com gêneros populares de romance. O primeiro foi um romance policial, O Campeonato. O segundo, A Confissão, é um romance que pode ser classificado como fantástico, gênero muito pouco cultivado entre nós. E este agora, A Ilha, é uma ficção científica. A história se passa num futuro indeterminado e o Rio é uma pequena ilha, isolada do resto do mundo. O romance é narrado por um monge franciscano, que escreve a história sentado na biblioteca de um mosteiro. Pretendo terminar o livro até o final do ano, para publicação em 2011.
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