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Uma fantástica confissão
Aline Aimée.
Armadilha poética. www.armadilhapoetica.com.br, 06.12.2007.
O último romance de Flávio Carneiro, A Confissão, reúne alguns dos melhores artifícios literários dos chamados romances pós-utópicos. Tendo sido finalista do prêmio Jabuti de literatura, A confissão agrada tanto a um leitor mais refinado quanto ao grande público.
Narrado em primeira pessoa, trata-se de um relato, ou melhor, da confissão de um personagem anônimo que se descobre detentor de um dom, que é ao mesmo tempo dádiva e maldição. Este dom leva o protagonista, numa jornada que mescla o prazer à morte, a reunir uma gama considerável de conhecimento e habilidades. Entretanto, exausto após anos de peregrinações infindáveis, ele se vê com um desejo incontrolável de retornar à cidade de origem, Rio de Janeiro, e de volta percebe que nada mais há para ser buscado ou aprendido. Angustiado, seqüestra uma senhora da alta sociedade e decide lhe contar toda a sua história, na tentativa de recobrar o controle sobre sua própria vida. É claro que a escolha desta mulher não é aleatória, mas o real motivo para esta eleição só conhecemos ao final da narrativa.
Para a tessitura do texto, Flávio optou por uma linguagem limpa, correta, que não abusa nem de excessiva erudição, nem de um simplismo populista. O relato é construído de maneira investigativa, assemelhando-se às narrativas policiais, sendo que, de dentro da narrativa principal, a do protagonista, emergem as histórias das mulheres que ele conheceu, dos diálogos que tiveram, das confissões que lhe ofereceram, das memórias de que se apropriou. E a cada nova história, surgem novos mistérios que não se revelam e acabam culminando no enigma principal. Esse entremeado narrativo, longe de confundir o leitor, o atrai inevitavelmente pela força da expectativa, que a cada nova história é potencializada.
Além disso, Flávio articula com maestria o fantástico ao verossímil, ao construir um discurso que narra o absurdo como possível, sem soar falso, mas sem a obsessão de demonstrá-lo como verossímil. E interrompe a narrativa no ápice, oferecendo possibilidades várias, permitindo ao leitor mais exigente que a finalize com suas próprias interpretações.
Ao fazer de nós cúmplices de terríveis segredos, o romance A Confissão, não só nos estimula a curiosidade e o interesse com uma narrativa envolvente, mas também nos ensina que uma metáfora bem feita pode permitir reflexão mais profunda e efetiva que a clara obviedade.
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