Flávio Carneiro
Comentários
Literatura para despertar
Adalto Novaes
Diário da Manhã. Goiânia, 17.08.1999

Os caminhos que levam o pensamento para os lados da investigação, alterando com sutilezas a maneira de enxergar a paisagem do mundo, encontram seu fio condutor onde menos se espera.
Um livro infantil, rotineiramente associado a peripécias inocentes e angelicais, pode subir degraus além de suas primeiras intenções lúdicas e didáticas, para provocar no leitor o salto e a pirueta no trapézio da curiosidade. Uma vez assumida a iniciativa, com todos os perigos de uma realidade modificada pela descoberta do inaudito, a dimensão da busca pelo saber passa a não ter limites.
Flávio Carneiro, autor de A casa dos relógios, da Editora FTD, lançado em Goiânia no começo do mês, sabe disso muito bem. Goiano radicado no Rio há 18 anos, professor de literatura brasileira no curso de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor de Teoria da Imagem no curso de Comunicação da PUC, com mestrado e doutorado em literatura brasileira, além de admirador incondicional de Lewis Carroll, ele tem fôlego para ser um escritor de livros infantis que divertem e instigam os adultos. A casa dos relógios chamava-se Acorda, Rita! em 1986, quando foi lançado pela Editora Globo. "Eu criei a história com 17 anos e ela tinha muitas imperfeições", reconhece Flávio. Mesmo assim, Acorda, Rita! teve duas edições esgotadas.
Símbolos
Mas a Globo simplesmente desistiu de publicar livros infantis, deslocando seus interesses para histórias em quadrinhos. Acorda, Rita! saiu de catálogo. Não satisfeito com o desenlace da situação, Flávio usou os personagens e o esboço do enredo para modificar sua narrativa, a ponto de surgir A casa dos relógios. Com ilustrações de Carlos Gomes de Freitas II, A casa dos relógios será lançado no Museu da República, na capital carioca, dia 11 de setembro. Há lançamentos agendados em Vitória e Salvador.
Embora não seja dirigido para uma faixa etária específica A casa dos relógios pode ser lida por crianças a partir dos sete anos. "A história invade o domínio do sonho. Há uma fuga da realidade convencional, do cotidiano, para o fantástico. Mas a simbologia não é complicada a ponto de uma criança não entender", diz Flávio, apontando dois níveis de leitura - o narrativo e o simbólico.
Enquanto o primeiro encanta, o segundo cutuca. Exatamente por isso, seria recomendável que os pais acompanhassem a leitura dos filhos, amplicando a perspectiva e favorecendo a descoberta de novidades. Flávio deixa claro, no entanto, que sempre esteve interessado na boa narrativa. "A simbologia vem depois da história pronta."
Poesia
A pequena Rita mora com os pais numa casa cheia de relógios. Na mesma proporção em que Doutor Bartolomeu e a mãe que não tem nome adoram os aparelhos de medir o tempo, Rita os odeia. Chega uma hora, porém, em que a menina se aproxima de um velho despertador, Dedê, que conversa com ela. Através do diálogo, Rita abre os olhos para fronteiras que ultrapassam os ditames do material.
Navegando entre o sonho e a realidade, Flávio contorna a moral da história e permite ao seu leitor, pequeno ou adulto, a liberdade da melhor interpretação possível. De concreto, fica uma estocada pontiaguda na sociedade que reprime a fantasia em nome da eficiência profissional. Tocando na qualidade da metamorfose, Flávio presta homenagem a Carroll e procura despertar o interesse pela poesia.



Outros Comentários



Voltar