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Entre lucidez e loucura
Carlos Herculano Lopes, in: Estado de Minas, Caderno Cultura. Belo Horizonte, 07.09.2006.
Goiano de nascimento, no Rio desde o início da década de 1980 e atualmente morando em Teresópolis, Flávio Carneiro chega ao segundo romance, A Confissão. No livro, dá mostras de maturidade e domínio na forma de narrar. Escrita na primeira pessoa, a trama gira em torno de um homem atormentado, que seqüestra uma mulher e a leva para uma praia distante, onde passa a lhe contar sua história. Ao mesmo tempo, ele faz insólita viagem interior, como numa catarse, demonstrando que já não tinha domínio sobre si nem podia adiar o desabafo.
Narrado em ritmo frenético e ágil, do qual o leitor não consegue escapar (querendo ler mais e mais, até conhecer o desfecho), o livro caminha entre a tênue linha que separa a lucidez da loucura. O inusitado e a surpresa estão também presentes nesse novo trabalho do escritor, que é autor de cinco novelas infanto-juvenis, dois livros de ensaios e outro romance, O Campeonato, também escrito na primeira pessoa.
Quanto à decisão de repetir a fórmula em A Confissão, ele explica que nos dois livros isso aconteceu por motivos diferentes. Em O Campeonato, romance policial, o objetivo era uma certa leveza, e ingenuidade, normalmente não encontrada nesse tipo de narrativa, devido ao próprio conteúdo das histórias. Daí ter criado um detetive jovem, de apenas 26 anos, leitor compulsivo de histórias policiais. "Já em A Confissão, precisava ter como narrador um homem maduro, mais experiente, tanto nas artes da vida e do amor, quanto na arte de contar histórias, o que não é uma coisa fácil. Por outro lado, também queria escrever um livro que se dividisse entre o medo e o lirismo, que fosse forte e, ao mesmo tempo, suave, e que, de certa forma, enredasse o leitor de modo a fazê-lo se esquecer de que, na realidade, trata-se de um longo monólogo", diz Flávio Carneiro.
Se irá continuar assim nos próximos romances, ele ainda não sabe, nem seria esse o caso, já que, na literatura, tudo costuma ser imprevisível, como na própria vida. "Acredito que toda boa ficção nasça ao mesmo tempo da realidade e da imaginação. O que vai acontecer depois é que diferenciará um estilo do outro. Alguns vão se prender mais ao estatuto da realidade, da vida concreta; outros preferem o insólito, a fantasia, como é o meu caso, afirma o escritor, que confessa ter tido sempre predileção pelo fantástico. Não é à toa que sua dissertação de mestrado foi sobre a obra do escritor mineiro Murilo Rubião, cujos 90 anos de nascimento estão sendo comemorados este ano.
Outra curiosidade em A Confissão é que o narrador não tem nome. No entanto, à medida que o leitor vai avançando na história, percebe que, na realidade, ele é uma espécie de mosaico de outras vidas - sobretudo das mulheres com as quais conviveu. O nome de um personagem, na opinião de Flávio Carneiro, deve ser algo muito pensado, pois é um signo que carregará uma série de significados e, por isso, não deve ser escolhido de forma aleatória. Daí ter optado por não dar nome algum ao narrador. Ele próprio se apresenta, à medida que a história vai tomando forma e enlaçando o leitor em suas bem-trançadas teias.
Autor ainda da coletânea de ensaios No país do presente: ficção brasileira no início do século XXI, no qual apresenta 65 resenhas de obras de escritores brasileiros, publicadas entre 2000 e 2004, Flávio Carneiro também tem se dedicado a escrever roteiros para cinema. Para um romancista, ele afirma achar a experiência riquíssima, já que são duas linguagens diferentes, mas que de certa forma se completam. "O roteirista pensa imagens. É claro que é preciso lidar com as palavras, nos diálogos, mas eles, necessariamente, estão dentro das imagens, não dentro das frases e parágrafos, como nas páginas dos livros. Acredito que seja importante para o roteirista ter alguma experiência literária, e vice-versa. Não que isso seja fundamental, mas ajuda", diz.
No momento, enquanto não começa a escrever novo romance, Flávio está pensando em se aventurar pelo teatro. Mas essa já é outra história.
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