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Contador de histórias
Flávio Paranhos.
O Popular. Goiânia, 27.02.2007.
Nas últimas férias eu me impus uma disciplina diferente da que estou acostumado. Comprei e li apenas autores de ficção nacionais contemporâneos, dando preferência àqueles dos quais nada tinha lido. Não vou entrar em detalhes, mas revelo que foram muitos e, pra minha grata surpresa, gostei de todos. Alguns mais, alguns menos, mas todos me agradaram.
Um dos que mais gostei foi Flávio Carneiro. Praticando meu esporte predileto - bolinar e comprar livros, coisa cada vez mais difícil em Goiânia, única cidade no mundo em que um shopping tem a desfaçatez de inaugurar sem nenhuma livraria! -, encontrei um espécime fininho, velho, manchado até, mas que me chamou a atenção pelo que dizia a orelha: "Flávio Carneiro nasceu em Goiânia, em 1962. Morando no Rio de Janeiro desde a década de 80 [...]. Mestre em Literatura Brasileira [...]".
Tratava-se do livro de contos Da Matriz ao Beco e Depois, editado pela Rocco, publicado em 1994. Coincidentemente, por essa mesma época, li uma instigante entrevista sua no jornal literário Rascunho (disponível em www.rascunho.com.br), o que me atiçou ainda mais a curiosidade, e acabei entrevistando-o eu próprio (em www.revistabula.com).
Da Matriz ao Beco e Depois é, concordando com o que está na orelha, um livro-de-contos-quase-um-romance pela destreza do autor em entrelaçá-los. Ainda assim, é possível individualizá-los, de tal forma que o último e mais longo tem vida própria e é um verdadeiro aperitivo para quem pretende passar a ser leitor fiel do autor. Uma entrada ao prato principal (atenção: "entrada" não é "menos" do que prato principal, mas apenas vem antes), seu romance recém-lançado, também pela Rocco, A Confissão.
Se me dissessem que A Confissão é inteirinho um monólogo, minha primeira impressão seria de se tratar de algo chato (monólogo = monótono), o que não poderia estar mais longe da verdade. Um sujeito seqüestra uma mulher e a obriga a ouvir sua(s) história(s). Só ele fala. Ficamos sabendo de uma ou outra reação da mulher pela boca dele. Sempre. Acontece que esse sujeito é exímio contador de histórias. A cada novo fio do novelo que é desenrolado, ficamos querendo saber o que vem adiante no labirinto de sua mente. A Confissão é o tipo do livro que nos flagramos ansiosos a voltar a ele enquanto sofremos as férias nas águas quentes de Caldas ou salgadas do litoral. O que não significa que seja 'fácil', no sentido pejorativo da palavra.
A propósito, outra coisa que me chamou a atenção nas minhas leituras de autores nacionais contemporâneos é que têm em comum o apuro formal (alguns até com extrema elegância), mas nem todos são bons contadores de história. Alguns são livros que, embora dêem grande prazer estético, não chegam a ser livros aos quais ficamos particularmente ansiosos pra voltar.
Flávio Carneiro consegue aliar apuro formal com eficiência ao contar uma história, o que o torna um bom candidato a atrair novos torcedores para o time da literatura nacional, que vive levando surra dos best-sellers estrangeiros. E ainda por cima é goiano.
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