Flávio Carneiro
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A distância das coisas
Gustavo Bernardo
Texto escrito especialmente para este site. Rio de Janeiro, junho de 2008.

O novo romance de Flávio Carneiro, A distância das coisas, Prêmio Barco a Vapor de Literatura Juvenil de 2007 e recentemente publicado pelas Edições SM, pode ser dirigido para adolescentes, mas certamente agrada muito a um adulto. Como já disse antes a propósito de outro livro do próprio Flávio: o melhor livro para jovens é aquele com que o não tão jovem também se empolga.
Isso acontece porque esse tipo de livro não infantiliza o seu leitor. A literatura que se preza deve desinfantilizar o seu leitor, seja ele criança ou adulto, para lhe devolver a própria voz. Se determinado livro destinado a adolescentes empolga um leitor adulto, a criança-jovem dentro dele (seu coração, na metáfora mais antiga, ou seu inconsciente, na metáfora mais moderna) é que se entusiasmou: por um instante ele mesmo se desinfantilizou. Não é bem que o leitor tenha "crescido", mas sim: que algo, a partir daquela história, alargou o seu mundo afetivo.
Flávio Carneiro acertou a mão de novo. A história é contada pelo ponto de vista do protagonista, um garoto de 14 anos de idade que perdeu o pai num acidente de carro quando tinha 3 anos e depois perdeu a mãe em outro acidente. Mora com o tio, irmão da mãe, mas desconfia de que estão mentindo para ele, que de fato a mãe não morreu. A dúvida surge porque não o deixam visitar o túmulo da mãe. Dedica-se então, da maneira que sua idade e situação permitem, a investigar se a mãe está viva e por que lhe estariam escondendo isso. Há alguma herança em jogo? Algum crime foi cometido?
Pelo resumo, parece uma combinação de drama com romance policial para jovens, deixando o protagonista adolescente no papel de detetive, como nas novelas de Marcos Rey, por exemplo o já clássico O mistério do cinco estrelas. Entretanto, Flávio usa essa base para chegar a conclusões completamente diferentes: não trata de mostrar o seu personagem como o adulto que não é e com um poder que não poderia ter, mas sim de mostrá-lo refletindo sobre a existência e seu próprio drama como um filósofo, sem sair um instante da linguagem de um garoto de 14 anos.
Em entrevista no site da editora, o autor disse que quis criar um personagem que não gostasse só de literatura, apresentando suas experiências por meio de outra área do conhecimento. Essa área foi a geografia, que assim como a literatura também fala de um mundo imaginário. O personagem se envolve o tempo todo com a relatividade dos espaços, como o movimento dos continentes. A distância das coisas, título do romance, é sempre relativa, e tem tudo a ver com literatura, claro.
No meu entender, porém, o personagem de Flávio pensa menos geográfica do que filosoficamente. O romance é todo sobre a dúvida e a relatividade, sobre a vida e a morte, sobre ser ou não ser, inclusive com surpresas e inversões no enredo: ao invés de o drama ficar pesado no início e ir se resolvendo ao final, o jovem órfão comenta sua situação e sua investigação de maneira leve e cômica, envolvendo o leitor sem provocar nenhuma piedade piegas, mas no decorrer da história a barra pesa: o leitor tem muita dificuldade de segurar suas lágrimas (eu, por exemplo, não consegui). Isso não significa que o final seja tristíssimo, ao contrário: há tristeza, mas também há não exatamente esperança, mas sim profunda reflexão sobre o afeto e a finitude, ou seja: sobre a distância das coisas.
Em resumo bem resumido: mereceu com sobras o significativo prêmio que lhe foi concedido. Trata-se de uma obra-prima.



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